Da correção fraterna e da fofoca a evitar
São Francisco em suas exortações trata da verdadeira relação fraterna entre os irmãos. Nas Admoestações que fez, provavelmente durante os capítulos dos frades, expressa isso claramente.
Na Admoestação 25, Francisco continua relatando as bem-aventuranças. Ao modo do sermão da montanha proferido por Jesus, o pobrezinho de assim também deixa ‘dicas’ de como encontrar a verdadeira alegria. Diz a exortação:
“Bem-aventurado o servo que ama e respeita seu irmão quando ele está longe do mesmo jeito que quando ele está perto, e não diz nada por trás dele, que não possa dizer com caridade na sua frente”
Em uma única frase Francisco deixa uma profunda sabedoria. Ele usava de palavras simples e portadoras de grandes ensinamentos. ‘Feliz é todo aquele que ama e respeita seu irmão (...)’. Inicialmente temos que aprofundar o sentido daquilo que entendemos por ‘amar’ e ‘respeitar’. Hoje em dia a palavra ‘amor’ comporta um sentido bem ambíguo. Por vezes, pode revelar até mesmo seu contrário.
Atualmente, se preza muito pelo amor romântico. Aquele dos namorados, dos filmes, das novelas. Não! Não é nada disso que temos nas bem-aventuranças franciscanas. O amor romântico na realidade vai na contramão do amor apresentando aqui pelos escritos de Francisco. O romantismo é o do aprisionamento, da neurose, da paixão projetiva, etc. Na realidade esse ‘amor’, se assim devêssemos chamar, é fruto do mais profundo egoísmo. Nele se diz que se ama a outra pessoa, porém nada ama a não ser o desejo pelo objeto criado, imaginado, ‘apossado’.
O amor proposto pela mensagem cristã é bem outro. Ele vai na contramão do amor romântico. Supera as projeções, as idealizações neuróticas. O amor vigoroso vivido e exortado por Francisco assume o sofrimento, o conflito, a conversão. Sabe lidar com a correção e se deixa lapidar. Ele é vigoroso e constante, sempre pronto a amadurecer. Podemos dizer que se trata de uma disposição, uma abertura sempre nova, por isso não tem receio do diálogo franco, da correção fraterna, pois sabe que precisa e que é sinal de amor fraterno que exorta na caridade.
O dizer mal dos irmãos na ausência deles, quebra o caminho da caridade e revela um comportamento egoísta, pois quer se beneficiar egoisticamente pela difamação do próximo auto proclamando-se melhor. É o pecado de Adão e Eva que quis se tornar igual a Deus. Trata de nossa tendência para o mal. Sempre de novo é necessário vigiar para não cair nesse erro.
Um dos problemas encontrado no comprimento dessa exortação de Francisco hoje é nosso melindre. Somos criados em uma sociedade narcísica, egoísta, da preservação da auto-imagem. Logo, temos a maior dificuldade de ser sinceros com o próximo. Vemos o egoísmo do outro e o que ele poderia melhorar, mas cometendo o pecado de omissão. Por outro lado, também queremos preservar a nós mesmo, não dizemos nada. Deixamos que o irmãos siga seu caminho.
Aqui está um grande erro, pois na medida em que faço isso com o outro, deixando de corrigi-lo na caridade, meus irmãos também fazem o mesmo comigo. Eis o grande ciclo do pecado. A indiferença, a omissão é um grande erro atual. É falta de compromisso com a mensagem Evangélica, pois a comunidade fica ferida em sua raiz, nas relações fraternas. Permanecendo nesse nível a ‘massa não leveda’, estraga e apodrece.
É preciso romper tal ciclo. Sair da nossa postura de conforto, da prática religiosa intimista e omissa. Deixar-se corrigir pela Palavra de Deus é um dos primeiros passos. Deixar-se ser moldado por Deus e olhar em todas as situações da vida possibilidade de crescimento. Nas relações fraternas isso se dá de modo mais significativo. Saber que é ali que Deus nos fala, nos adverte.
Hoje mais do que nunca precisamos ser fortalecidos e tomarmos consciência da co-responsabilidade na implantação do Reino. E onde ele começa? Nas relações fraternas. Francisco intuiu e percebeu claramente isso. Não dizia ou pregava o Evangelho para os outros. Deixava-se corrigir pelo Senhor e estava sempre aberto, disposto a ser lapidado. A partir daí viu a grande dificuldade que nosso egoísmo tem de se desapegar e ir ao encontro do outro. O falar por detrás demonstra esse pecado (erro de caminho).
Francisco é de uma inteligência ‘refinada’, ‘treinada’, ‘penetrante’. Fala de forma simples e revela a profundidade da graça e do pecado em nós. Desce na profundidade humana, reconhece a miséria interior e se deixa ser olhado e amado por Deus. Sabe que tudo de bom que nós temos procede do Alto, é dom. Certamente, ouvindo e lendo como Jesus corrigia seus discípulos e como chama a atenção dos mestres da Lei e fariseus, aprendeu a não ser omisso e incentivou os irmãos a seguir o mesmo caminho.
Fazendo isso, Francisco rompe a prisão que o pecado de difamação causava a fraternidade. Todos ficavam livres de divisões relacionais. Todos podiam contam com o irmão que a qualquer momento seria mensageiro de Deus. O Senhor fala no e pelo irmão. Passava a existir assim um ar Evangélico na fraternidade, onde o que imperava era o modo de ser do Espírito. Era uma felicidade, uma Bem-aventurança fraterna.