Domingo de Ramos e a Espiritualidade Clariana
“Aproximava-se o solene dia dos Ramos quando a jovem, de coração fervoroso, foi ter com o homem de Deus, para saber o que e como devia fazer acerca de sua conversão. O Bem-aventurado Francisco ordena que no dia da festa, bem vestida e adornada, dirija-se para receber a palma juntamente como todo o povo, e que, em seguida, à noite, saindo do castelo, converta o gáudio mundano no luto da Paixão do Senhor”. LCL 7
Clara de Assis, já tendo observado a vida de penitencia que fazia o Santo de Assis, sentiu convidada também a se despir do mundo do egoísmo para encontrar com o Senhor. Porém, antes mesmo que tivesse visto a vida santa de Francisco de Assis, já tinha a graça da preocupação como todos os sofredores. Era por graça, atenciosa e dedicada aos mais pobres. Buscava dar esmola e comida para quem precisasse. Ver Francisco faz seu coração vibrar mais forte e descortinar diante de si o caminho a seguir.
Todavia, longe de simples florilégios, o dia escolhido pelo pai seráfico e por Clara é o Domingo de Ramos. Não se trata somente de uma fuga orquestrada, usando dos ramos para se esconder. Existe ai toda uma mística de entrega. Um preludio de um casamento. Uma núpcia forte e vigorosa. Vendo com nossos olhos hoje, contaminado por uma espiritualidade melindrosa, dificilmente compreenderemos tal atitude. Parece ser uma história bonita, santa, imaculada, como uma moça ‘branquinha’ e toda delicada que foge, como nos belos filmes românticos, da casa paterna. Longe disso. O perigo era iminente. Uma fuga assim poderia causar as mais variadas consequências. Clara tinha consciência disso. Não era uma ‘garota’ inocente, infantil. Era firme e escolheu justamente o Domingo de Ramos.
Lembremos que o Domingo de Ramos é o dia que o Senhor entra em Jerusalém e é saudado como rei. Contudo, toda essa glória vai se desfazendo. Jesus sabia que isso iria acontecer. Não por adivinhação, mas como profeta que reconhece as trevas em sua frente. Clara também anteviu, foi profeta e se lançou ao encontro da Cruz. Por isso, o Domingo de Ramos.
Clara foi uma apaixonada pela Cruz, pelo Cristo sofredor. Em nosso tempo podemos pensar: “Nossa! Que coisa absurda! Gostar da dor, do que é feio”. Não se trata disso. Porém de uma paixão pela humanidade-divindade de Cristo. De sua atitude de assumir toda a condição humana até as últimas consequências. No pobre dependurado na Cruz, Clara viu o modelo de ser humano e divino. Encontrou ali no improvável, para muitos, a antevisão do Reino de Deus. Deixou tudo é correu ao encontro do Amado.
Tal corrida não foi realizada somente verticalmente. Foi profundamente em sua própria humanidade e na fraternidade com as irmãs. Desceu onde dificilmente o homem comum alcança e subiu como jamais se viu, e descobriu o Deus-humano Jesus Cristo. E nele fez uma tenda eterna, vendo em todos o reflexo de sua misericórdia.
“Chegando assim, o domingo, a jovem, brilhando em festivo esplendor no meio do grupo das senhoras, entra na igreja com os outros. Aí, como um digno presságio, aconteceu que, enquanto as demais pessoas acorriam para os ramos, Clara, por discrição, permanecia imóvel em seu lugar”. LCL 7
Clara de Assis, na celebração do Domingo de Ramos, tendo tudo já planejado em seu coração, ficou “em seu lugar”. O desejo apaixonado faz com que ficasse assim, “em seu lugar”. Quieta, atenta, escutando, vendo, esperando o momento que o amado a convidasse para uma ‘dança’. Mas não uma dança comum, ao modo do mundo. E sim a dança eterna. Os acenos de um caminho a percorrer. Talvez pudéssemos relacionar este estar “em seu lugar”, com sua postura contemplativa, deixando que Deus realize seus designíos. Logo, Clara é uma contemplativa. E contemplação não se refere a uma ação de falar algo, ou na ansiedade ocupar o lugar de Deus. Clara deixou que Deus fosse Ele mesmo. Tal postura lembra o despojamento total de Cristo na Cruz. “Pai em suas mãos entrego meu espirito”.
“O Pontífice, descendo pelos degraus, aproxima-se dela e põe-lhe a palma em suas mãos. Á noite, preparou-se para o mandato do Santo, empreendendo a desejada fuga com honesta companhia”. LCL 7
A palma na mão pesou-lhe talvez como uma Cruz. Era o sinal. No meio da decisão feliz havia também ansiedade do futuro caminho. Como seria? O que ocorreria? “Mas em tudo isso somos mais que vencedores, graças aquele que nos libertou”. Saiu e esperou a noite, como o Cristo que passou pelo Horto das Oliveiras.
Percorreu o caminho planejado na fuga. Toda ela, rápida e eficaz, em um Domingo de Ramos, foi uma prefiguração de uma vida santa e clara.
Que a fortaleza de Clara de Assis, nessa Semana Santa seja para nós inspiração. Possamos caminhar com Cristo que segue sua via dolorosa.