São Francisco de Assis e a Quaresma: um modelo para nossos dias
A vida de uma santo não é límpida e apenas cheia de alegrias. Na contemporaneidade, quando falamos de santo ou santidade, nossa mente como em estalo, dispara automaticamente vindo diante de nossos pensamentos uma pessoa tranquila e satisfeita. Porém, um santo é aquele que experimentou as delícias celestes aqui na terra, como também viu diante de si as profundidades do orgulho humano. Como a cruz que possui vertical e horizontal, sofreu as dores da crucifixão.
Dores e alegrias vivem juntas em um santo. Não foi diferente na vida de Francisco de Assis. Para lidar com tudo isso era um homem de oração. Quando falamos em oração, lembramos de reza, de ir à missa ou mesmo participar de retiros paroquias, formações, estudos bíblicos, etc. Tudo isso é bom e pode nos ajudar. Todavia, olhando para do pobrezinho de Assis, vemos que sua vida se mostra contemplativa e ativa-missionária. Tocado pelo amor de Deus ia ao encontro dos demais. Falando, pregando, apontado para o Amor que não era amado, o Cristo.
O que devemos entender aqui é que a vida ativa não suprimia a contemplativa e esta não diminuía a outra em Francisco. Era um equilíbrio. Hoje podemos estar demais na atividade. Seja nas nossas profissões ou mesmo na igreja. Como por exemplo, quando trabalhamos na comunidade ou em prol de uma obra de caridade. Nosso mundo não aceita paradas. Para muitos ‘parar’ é sentir-se inútil. Sentir que não consegue realizar ou adentrar no projeto divino.
O que pode ocorrer é que em querendo fazer a obra de Deus ansiosamente, se acaba fazendo a própria vontade. Não que não devemos fazer e lutar por uma comunidade, um mundo melhor. Todavia, o pêndulo não pode ficar de um lado só. Sem a oração-meditação – que exige parada – as atividades ficam vazias e sem vida. Vemos isso em muitas comunidades. Pode-se até cantar bonito, trabalhar bem, pregar bem, mas, como um violão desafinado, não toca o coração das pessoas. E quando consegue é de modo superficial, apontando para a falta da oração e do recolhimento pessoal perante Deus.
São Francisco sabia disso pela intimidade com Deus e assim, também sabia de que barro era feito. Sentia que precisava da oração. Percebia que sem ela nada podia fazer. Recolhia sempre que podia para orar sozinho, meditar. Buscava lugares afastados que proporcionava silêncio. Diz um Fioretti:
Estando uma vez São Francisco, no dia do carnaval, ao lado do lago de Perusa, na casa de um seu devoto, com quem tinha se hospedado à noite, foi inspirado por Deus que fosse fazer aquela Quaresma numa ilha do lago. Por isso, São Francisco pediu a esse seu devoto que por amor de Cristo o levasse com a sua barca a uma ilha do lago onde não morasse ninguém, e fizesse isso na noite do dia de Cinzas, de modo que ninguém se desse conta. E ele, por amor da grande devoção que tinha por São Francisco, atendeu solicitamente ao seu pedido e o levou para a dita ilha; e São Francisco não levou consigo a não ser dois pãezinhos. E quando chegou à ilha e o amigo estava partindo para voltar para casa, São Francisco pediu-lhe encarecidamente que não revelasse a ninguém como ele estava lá, e que não viesse busca-lo a não ser na Quinta-feira Santa. E assim ele partiu, e São Francisco ficou sozinho (Fioretti 7).
Como não lembrar o texto bíblico que diz: “Mas, tu, quando orares, entra no teu aposento e, fechando a tua porta, ora a teu Pai que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente” (Mateus 6,6). Hoje temos dificuldades de ficar muito tempo sozinhos e nossas comunidades pouco ou nada incentivam a busca do silêncio e da oração pessoal. Nosso mundo é muito corrido. E quando não estamos falando com alguém, estamos conectados virtualmente. Não desligamos. Ficamos ‘na tomada’ o tempo todo. Neste ponto é difícil escutar Deus. O templo – que é nossa alma – parece nunca esvaziar-se dos vendilhões (Mateus 21,12). É preciso que ele esteja vazio para que a graça divina habite nele. Ou melhor que percebamos sua graça em nós.
São Francisco recolhia. Aproveitava o tempo oportuno – Quaresma – para orar-meditar. Era fiel, pois estava encantado pelo Cristo. Queria acima de tudo seu Amor. E dessa vivência saia cheio para falar aos outros, ou mostrava com a própria vida.
Vemos que o carisma franciscano é afetivo e não racional. Vive-se o Encontro depois vem o anúncio. Quando tentamos inverter essa situação é porque transformamos a fé em doutrinas, em construtos teóricos, frios e desencantador ou estamos em busca de aprovação das pessoas.
Por isso, o tempo da Quaresma é para nós oportunidade de voltar com todo nosso coração a Deus, suplicando que se compadeça de nós (Joel 2,12-13). Para que assim convertamos e vivamos seu Reino.