Sobre a morte na Espiritualidade Franciscana e Cristã
No Cântico do Irmão Sol, Francisco de Assis louva a Deus assim:
“Louvado sejam meu Senhor,
Por nossa irmã a morte corporal,
da qual homem algum pode escapar”.
Para nós hoje é muito difícil entender este louvor feito pelo pobrezinho de Assis. “Como assim? Louvar a Deus pela morte? Deve se tratar apenas de uma poesia, mas não de uma realidade!” Podemos, dessa maneira, argumentar para nos livrar de tamanha afirmação.
Contudo, a Espiritualidade de Francisco é vibrante e concreta. Está falando sim da morte corporal. O momento que deixamos definitivamente todas as coisas desse mundo. Não se trata somente de se abrir para o mundo “além-morte”, para o “céu”. É na verdade consumação de uma postura desapegada de vida.
Em seu caminhar, Francisco fez um vivência tão profunda de Deus, que se identificou com o desapego que está em Cristo Jesus. Ele sendo de condição divina não se apegou a si mesmo. Nem fez disso um motivo de glorificação (Cf. Fl 2) . Abriu mão, entregou-se a um projeto-vivencia maior. Em sua vida a morte não quis dizer ‘frustração’, mas ‘consumação’ de tudo que pregou e realizou. Na cruz, no abandono, há o esvaziamento total.
Francisco via no crucificado o modo de ser de Deus. Logo, a morte não podia mais causar medo. Ela nos desposa de todas as coisas. Todos que buscam viver a gratuidade e abertura do modo de ser de Deus, acolhe os derradeiros momentos dessa vida com louvor.
Para nossa mentalidade contemporânea tudo isso soa como absurdo. Até mesmo para muito das ‘espiritualidades’ – modo de viver o cristianismo – que temos rejeita a postura franciscana, não aceitando a morte. Trava-se uma luta desesperada contra ela. Não a aceita como parte da condição humana. Vemos tal postura até mesmo dentro das comunidades, de famílias e grupos cristãos.
Logico que não é fácil lidar com a morte. Todavia, em tudo isso se estabelece uma pergunta: “Nossas ‘espiritualidades’ tem ajudado a lidar com a real condição humana ou a tem negado?”. A concepção franciscana pode nos auxiliar em um aprofundamento da caminhada cristã. Tornamos mais vigorosos para adentrar em um modo gratuito de ser.
Esta foi a postura de Francisco de Assis. Retomar sua história e seus dizeres pode nos levar a reflexões mais significativas e mais profundas sobre as limitações da vida e sobre a morte. Realidade que homem algum pode escapar.