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Sobre pregação e pastoral

Publicado por Frei Edson Matias | 26/10/2015 - 18:35

Para refletirmos sobre o ofício da pregação e da pastoral é necessário jogar luz sobre nossa condição atual de liderança. Quem trabalha dentro das comunidades ou exerce o ministério de pregador tem como uma característica a liderança. Esta nasce de uma necessidade de ensinar. A pessoa foi atingida por uma vivencia e não contendo em si fala aos outros e tenta passar o que vive. Alguém poderia objetar: “Ensinar ao seu modo o que se viver, isso não é liderança, mas sim despertar no outro a própria busca”. Pode ser que sim. Todavia, não tem como ensinar ou apontar o caminho a não ser de um modo pessoal para o comunitário, as demais pessoas que ouvem farão a vivência dentro da caminhada pessoal e cada uma delas vão passar para frente do jeito que compreendeu/vivenciou, mas lógico, atingidas também por algo que as une em comunhão.

Aquele que fez a experiência e mora nela tem algo maior que ele mesmo. Quando tratamos de vivência religiosa isto é emblemático. O pregador não quer passar outra coisa do que aquilo de ‘enxergou’. Com todo empenho e alegria vai até os demais para falar da novidade que descobriu. Não prega a si mesmo, nem mesmo está preocupado se vão todos gostar dele ou não. Quando consegue que o outro verdadeiramente entende, encontrou um companheiro, não porque aderiu a ele, mas para aquilo que apontou. Sente-se em comunhão com o mistério, pois este teve ressonância no outro. Como dito, não como mero reforçamento externo e sim por ‘contágio’, por ‘verificação’ comunitária, se assim podemos dizer.

O perigo que corremos é desvirtuar tal experiência, quando se quer a todo o custo ser reconhecido pelos demais. Tal situação pode acontecer quando se perde o caminho inicial pelos benefícios que este pode trazer. Aqui surgem os falsos profetas e falsos pregadores. Jesus chamou a atenção dos fariseus e mestres da lei sobre tal comportamento, porém estavam tão arraigados no egoísmo que não quiseram saber da libertação proposta.

A crise de liderança nasce ai. Na busca dos ganhos secundários da pregação e da pastoral. Percebemos isso também, se relacionarmos com a família contemporânea, em pais e mães que omitem a educação, preferem ser ‘amigos’ dos filhos do que pais. Tem medo de dar limites e perder o ‘amor’ dos filhos. Prefere dar presentes, fazer tudo que os filhos querem para evitar conflitos. Claro que isso é sinal de imaturidade e normalmente os filhos crescem inseguros e também irresponsáveis, causando outros problemas na sociedade.

Na pastoral de nossas comunidades também observamos esse fenômeno. Lideranças, religiosas ou leigas, que deixam de pregar o evangelho naqueles pontos que exige de todos posturas mais vigorosas. Opta-se pelo ‘agradável’ para todos, ou no mínimo, para a maioria. O medo de ser rejeitado, de não ser aceito acaba por construir grupos e comunidades infantilizadas, tendo um ‘pseudo-líder’ como mentor. O que pais e mães estão sofrendo, lideranças comunitárias também estão: falta de ‘assumência’ decorrentes de anemias afetivas e espirituais.

E o que nos diria Francisco de Assis? Este homem não mediu as palavras para buscar elogios humanos. Foi forte a partir da mão do Senhor. Como dito em outras reflexões, hoje se gosta do pobrezinho de Assis em sua versão light, soft, agradável aos olhos e ouvidos infantilizados. Contudo, ele não foi assim. Não foi um ursinho de pelúcia, nem essas imagens de resinas atuais feias que parecem mais bonecas de porcelana. Francisco fez a vivência com Jesus Cristo, pobre, humilde e crucificado. Na atualidade optamos por Jesus, doce, meigo, gentil e infantil. Não que ele não possua um pouco dessas características valorosamente humanas, mas não se trata com certeza de alguém com anemia afetiva ou espiritual.

Na Regra Não-Bulada 7, Francisco de Assis fez alguns considerações sobre os pregadores. Primeiro que nenhum irmãos pregasse contra a vontade do superior e que o faça com as obras e não com discursos. Hoje temos os ‘ídolos’. Leigos, padres e religiosos pregadores que caíram no gosto popular. Possuem muitos fãs e seguidores. Na cultura da imagem não precisa ter vivencia para que isso aconteça, basta ter um jeito de expressar que cative. Também acontece com pregadores que vem de outras cidades e estados para dar encontros, fazer palestras, orações, etc. Existe muita fantasia em tudo isso, pois não se conhece realmente aquela figura, somente a imagem fabricada dela. A pregação por obras somente vemos quando convivemos e não quando idealizamos. Talvez por isso que a ‘fabricação’ de ‘ídolos cristãos’ não tem levado seriamente seus seguidores a conversão, mas ao sentimentalismo.

 

Diz Francisco:
Por isso, suplico na caridade, que é Deus, a todos os meus Irmãos pregadores, oradores e trabalhadores, clérigos ou leigos, que se empenhe em se humilhar em tudo, em não se gloriar nem se comprazer em si, nem se exaltar interiormente pelas boas palavras e obras; enfim, de nenhum bem que Deus, às vezes, faz ou diz e opera neles e por eles, conforme diz o Senhor: “mas, não vos alegreis que não nos pertencem senão os vícios e os pecados” (RNB 7).

 

Pelo medo de deixar de ser querido a humildade pode se tornar a tabua egoísta. Usa-se de uma pseudo-humildade para não assumir a dura tarefa real da pregação e pastoreio. O ministério de ensinar requer enfrentar conflitos. Lembremos de Jesus quando teve que falar duro com os fariseus e doutores da lei e com seus seguidores. Não foi ameno, não correu do embate. Disse firmemente e continuou a dizer até que foi levado à cruz. Ensinar é jogar luz sobre as trevas. Muitos não aceitam e preferem o egoísmo. Aquele que adentra no mundo da pastoral deve tomar consciência que o ‘mundo’ está contra a ‘luz’. Mesmo que seja em uma comunidade cristã que se realize o trabalho evangelizar, isso não quer dizer que ali não esteja as coisas do ‘mundo’. Ali encontraremos intrigas, invejas, apego ao poder, etc. E ao mexer em tudo isso a rejeição do servo de Deus é incontornável. Aquele que quer manter o bem querer da comunidade terá que entregar Jesus muitas vezes e fazer acordos egoístas para preservar a própria imagem. Logo, aquilo que entendemos por humildade deve sempre se revisitado.

Quem age é Deus. O servo que tem plena consciência disso sabe de que barro é feito e não deixará que o glorie. Ele vai chamar todos a dar gloria a Deus e não a si mesmo. Por isso, que Francisco, como São Paulo, vai se gloriar nas próprias fraquezas. Elas vão dar a verdadeira humildade.

Pois o espírito da carne quer e se emprenha muito em ter palavras, mas pouco em obra: e procura não a religião e a santidade no espírito interior, mas quer e deseja ter a religião e a santidade que apareçam por fora, diante dos homens. E estes são aqueles dos quais diz o Senhor: Em verdade vos digo: já receberam sua recompensa (RNB 7).

O que chama atenção nossa hoje é a visão superficial e anêmica do ser humano. Tal visão adentrou nossas comunidades e congregações. As idéias de dedicação, empenho, são traduzidas por ‘sofrimento’, ‘repressão’, ‘tolimento da liberdade’, ‘coisa antiga e ultrapassada’. Quando olhamos os dizeres de Francisco de Assis observamos que eles não cabem em nossa mentalidade melindrosa. As coisas têm que ser boas e gostosas para nós. Agradáveis. Tudo que vá contra isso é tido como absurdo. Logo, o espero, a dedicação que pais, mães, professores, pregadores e formadores, são visto como pesado demais. É melhor ficar de ‘boa’, ‘curtir’ mais. Qual a solução então para tal situação? Vamos ver a resposta de Francisco?

O Espírito do Senhor, porém, quer a carne mortificada e desprezada, vil e abjeta. (RNB 7).

 

Essas palavras nos convidam a renúncia de nós mesmos, de nossas vontades. Mortificar aqui nós remete a um trabalho constante e tenaz. Mas como empreendê-lo se estamos por demais fracos e nem sabemos onde começar? Eis o desafio atual. A pregação e pastoreio dependem disso. Querer aproximar da Fonte de toda ação evangelizadora: Jesus Cristo. Ali perto serão iluminada todas as nossas trevas. E todos nós a temos até o dia do nosso encontro definitivo com o Senhor. Ilusão pensar diferente. Acha que já estamos prontos ou que há alguma linha de chegada, claro, a não ser a irmã morte e o encontro com o Senhor.

Por fim, é necessário revisitar nossa realidade. Ter realmente os pés no chão. Não teoricamente ou por discursos, mas por conversão e obras. Deus nós deu seu Espírito Santo e não o nega a ninguém que o pedir. Terminemos essa reflexão rezando com Francisco de Assis:

 

Altíssimo, glorioso Deus, ilumina as trevas do meu coração: dá-me uma fé direita, uma esperança certa, uma caridade perfeita, senso e conhecimento para que faça o teu santo e veraz mandato.

Amém!

Sobre o autor
Frei Edson Matias

Frade Capuchinho, Sacertode. Naceu no ano de 1976 em Anápolis-GO. Filho de Baltazar Justino Dias e Genoveva Matias Dias. Ingressou na Ordem Franciscana em 25 de Janeiro de 1999, inicialmente nos Frades Conventuais - Província de Brasília. Depois fez a passagem para a Ordem dos Frades Menores Capuchinhos no dia 13 de Julho de 2009. 

Formação

Doutorando em Teologia na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE. Psicólogo pelo Centro Universitário de Brasilia - UniCEUB. Mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC Goiás. Pós-Graduado em Psicologia Junguiana pela Faculdade de Ciências da Saúde de São Paulo - FACIS. Pós-Graduado em Teologia Contemporânea pelo Centro Universitário Claretiano. Teólogo Pelo Centro Universitário Claretiano. 

Áreas de atuação

Foi Professor de Psicologia e disciplinas afins na Filosofia e Teologia nos Institutos: ISB/DF, ITEO/MS e IFITEG/GO e na Faculdade Brasil Central/GO. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia clínica e psicologia da religião, como também em Teologia Pastoral e Espiritualidade. Presta assessorias às comunidades e congregações religiosas. 

Livros e Artigos

Possue diversos artigos publicados em revistas e livros. 

Contato

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