Lumen Gentium em dois minutos
A organização do documento conciliar revela a sua intencionalidade, ou seja, é uma autorreflexão da Igreja a fim de autoperceber qual é a sua estruturação, sua identidade e sua missão. Sendo isto verdadeiro convém apresentar sucintamente o caminho pelo qual a Igreja se autocompreende: mistério, povo de Deus, constituição hierárquica, leigos, santidade universal dos fiéis, religiosos, índole escatológica da Igreja, Maria no mistério de Cristo e da Igreja.
O dado primeiro e fundamental na autocompreensão da Igreja é a noção de mistério. Com efeito, é baseado nele que todos os demais são compreendidos. Sendo, portanto, a índole mais profunda da Igreja ser mistério esta pode ser compreendida como sacramento de Cristo, o qual, por sua vez, é sacramento de Deus para o mundo.
Por ser sacramento de Cristo a Igreja fora admiravelmente prefigurada na origem do mundo, preparada na história de Israel, fundada nos últimos tempos, manifestada pelo Espírito e, por fim, consumada na glória celeste. Desta forma, na Nova Aliança em Cristo toda à humanidade é convidada a participar do povo de Deus, povo de sacerdotes. Isso implica que em cada povo, em cada época e cultura todos são chamados a participar deste único povo de Deus preparado na história e inaugurado em Cristo Jesus.
Dado que na constituição deste novo povo de Deus haja precedência de uns em relação aos outros, ou seja, primeiro Cristo chamou os apóstolos e os enviou em missão, os quais fizeram o mesmo em relação aos seus sucedâneos se deduz que exista o múnus de ensinar, governar e santificar este novo povo em Cristo. Com efeito, este múnus fora conferido aos apóstolos, os quais transmitiram aos bispos que, por sua vez, transmite aos presbíteros e aos diáconos cada um no seu grau.
Uma porção deste novo povo não ascende à hierarquia, ou seja, os leigos. Tal significa que sua índole seja secular. Logo, é de dentro das coisas temporais que se deve fazer emergir a ação salvífica de Cristo que atua neles, já que, por meio do batismo, foram incorporados a Cristo e gozam do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo. Todos os membros do novo povo de Deus sejam eles integrados à hierarquia ou não são chamados à santidade. Portanto, cabe a um, segundo o próprio estado, atingir a perfeição da caridade. Alguns dentre o povo desejam a perfeição da caridade, a qual se verifica na observância dos conselhos evangélicos e estes são os religiosos. Disso se segue que estes tem a função de alertar aos demais membros do povo que tal seja possível desde a vida presente.
A destinação da realização máxima da santidade só acontecerá na celeste mansão na qual tudo e todos serão recapitulados em Cristo. Com efeito, aqui é mantida a tensão escatológica da realização plena da vida, a qual fora inaugurada em Cristo, confirmada pelo Espírito que prolonga a vida Cristo na Igreja. Sendo Maria o Tipo da Igreja, no povo de Deus, então, a esperança da Igreja é a de ser regenerada assim como Maria.
Este é o caminho pelo qual a Igreja se autocompreende enquanto mistério que se estatui como povo de sacerdotes e cuja origem, missão e destino estão alicerçados em Cristo.
COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium. Petrópolis: Vozes, 1995.