No final de 2019, em Caxias do Sul/RS, a equipe da Biblioteca do Museu dos Capuchinhos se deparou com um desafio: identificar em que língua havia sido escrito e do que se tratava um livro recém-chegado à etapa de catalogação e higienização para ser introduzido na Coleção de Obras Raras.
A equipe iniciou a pesquisa com os freis Capuchinhos e, depois de certo tempo, a tecnóloga em Conservação e Restauro, Deborah Braga Barra, que, na época, atuava em um projeto no Museu, trouxe evidências de que o idioma em questão poderia ser o armênio. Ela chegou a essa conclusão depois de comparar o texto da folha de rosto do livro com alguns alfabetos menos conhecidos, inclusive com o alfabeto armênio. Em um primeiro momento, a equipe achou que se tratava de uma língua morta, o que levou Deborah a fazer as várias comparações.
A Armênia, também conhecida como República da Armênia, está localizada na região montanhosa na Eurásia, entre o mar Negro e o mar Cáspio, no sul do Cáucaso. Faz fronteira com a Turquia, Geórgia, Azerbaijão e Irã. A Armênia foi o primeiro país a adotar o Cristianismo como religião oficial, no ano de 301. De 1922 a 1991 fez parte da extinta União Soviética. O alfabeto armênio foi criado por Mesrobes Mastósio (em 405) e é constituído por 38 caracteres distintos, entre consoantes e vogais. A Bíblia foi a primeiro texto escrito nesse alfabeto. |
Com o idioma identificado, parte do mistério estava resolvido, mas ainda era necessário traduzir a folha de rosto e terminar os processos técnicos para inserir a obra na Coleção. Depois de alguns contatos, via rede social, com armênios que moram no Brasil, foi possível traduzir algumas informações da folha de rosto, o que ainda não era suficiente para concluir o trabalho.
Clarissa Afonso da Silveira, bibliotecária do museu, pediu ajuda às bibliotecárias da Fundação Biblioteca Nacional, responsáveis pelo Plano Nacional de Recuperação de Obras Raras (Planor). Rosângela Rocha Von Helde e Silvia Fernandes Pereira acolheram prontamente o pedido e entraram em contato com o professor Fábio Frohwein de Salles Moniz, doutor em Letras Clássicas, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), grande conhecedor de línguas, especialista em Latim nas Obras Raras, que encaminhou a folha de rosto para a colega Sônia Branco Soares, professora-assistente de Língua e Literatura Russa da URFJ, que, por sua vez, entrou em contato com Sargis Muradyan (cidadão armênio que vive no Brasil) e com o professor e padre Yervant Tamdjian, especialista em armênio antigo, para finalizar a tradução.
Com a colaboração de muitos parceiros e estudiosos, finalmente foi desvendado aquilo que, a princípio, parecia um mistério. O livro era uma Gramática da Língua Armênia, escrita pelo Padre Mikael Tchamchian, publicada em 1801, em Veneza, e editada pelo Convento de São Lázaro, com a autorização do Venerável Abade Superior Stepannos Segundo Agonis.
A parceria com outras instituições e estudiosos é muito valiosa quando se pesquisa sobre Obras Raras. Neste caso, a colaboração com os profissionais da Fundação Biblioteca Nacional e do Núcleo de Documentação de Línguas Clássicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro, além de fortalecer os laços institucionais do MusCap com essas entidades, permitiu aperfeiçoar o trabalho da biblioteca do MusCap, possibilitando à sua equipe ampliar seu campo de pesquisa, aumentar conhecimentos, e conhecer novas possibilidades de acessar informações e dados sobre as obras que compõem o acervo.
A partir de março de 2020, a Gramática da Língua Armênia faz parte do acervo da Coleção de Obras Raras da Biblioteca do MusCap. Provavelmente, esse exemplar estava na bagagem de um dos freis Capuchinhos que chegaram ao Rio Grande do Sul, no ano de 1896. Na folha de rosto e na falsa folha de rosto existem dois carimbos molhados, as marcas de proveniência que mostram por onde o livro passou até chegar à biblioteca do MusCap. Esse exemplar já esteve no acervo da Fundação de Integração, Desenvolvimento e Educação do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (FIDENE) – Biblioteca Central, atual Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÌ) e no Convento São Geraldo, também de Ijuí, RS.
Esse fato, normal da rotina de um bibliotecário que atua com coleções de Obras Raras, mostra que, para realizar bem o seu trabalho, o bibliotecário precisa conhecer as diversas fontes de pesquisa onde possa colher as informações sobre o acervo que está sob sua responsabilidade. No caso de Obras Raras, essa pesquisa pode ser mais complexa porque envolve línguas e tempos diferentes dos nossos. Por isso, é fundamental a colaboração com instituições e profissionais renomados, como é o caso da Biblioteca Nacional, instituição criada em 1810, que é o órgão responsável pela execução da política governamental de captação, guarda, preservação e difusão da produção intelectual do País.
Chefe da Divisão e Curadora de Obras Raras da Biblioteca Nacional ministra curso no MusCap em abril A cooperação entre o MusCap e a Biblioteca Nacional, na área das Obras Raras, também está presente na realização, no mês de outubro, do curso LIVRO RARO: FORMAÇÃO E GESTÃO DE COLEÇÕES BIBLIOGRÁFICAS ESPECIAIS, a ser ministrado pela bibliotecária e professora Ana Virgínia Pinheiro (http://lattes.cnpq.br/1451014589696902), chefe da Divisão e Curadora de Obras Raras da Biblioteca Nacional, que estará em Caxias do Sul, de 19 a 21 de outubro de 2020, para compartilhar com a comunidade seus conhecimentos e experiências com Obras Raras. Para participar informe-se pelo telefone (54) 3220-9565 ou pelo e-mail: [email protected] |
Clarissa Afonso da Silveira
Bibliotecária – CRB 10/2452
Museu dos Capuchinhos
Fonte: Capuchinhos do Brasil /CCB
Por Biblioteca Museu Capuchinhos (Muscap)