Segue a carta aos frades capuchinhos do Brasil, elaborada pela Comissão de Justiça, Paz e Integridade da Criação dos Capuchinhos do Brasil, em vista de nos fortalecer na solidariedade e trazer luzes em meio à atual situação de pandemia:
Sermos Igreja solidária e “hospital de campanha”
Aos frades capuchinhos do Brasil,
O Senhor nos dê a paz!
“Sintamo-nos no dever de acudir com nossa ação às necessidades dos pobres e, principalmente em tempos de calamidade pública, coloquemos à disposição de todos os necessitados os nossos serviços e os bens da fraternidade” (Const. Capuchinhos 108,2).
Ao final de sua vida, São Francisco recordou: “O próprio Senhor me conduziu entre os leprosos e fiz misericórdia com eles” (Test.). Esta é a vivência que marcou sua conversão e seria central em sua vida penitente, desfazendo seus preconceitos e a busca de grandezas e comodidade, para encontrar os apelos mais profundos de Deus no grito de quem sofre. Ao acolher os mais frágeis e vulneráveis, nos tornarmos irmãos. Desse encontro com o Cristo crucificado na própria realidade, Francisco e nós, hoje, revemos todas as nossas buscas, posturas e ações, a fim de que direcionemos grandes energias e tempo ao cuidado do irmão que mais sofre. Este apelo ressoou forte nos primeiros capuchinhos. Buscavam sinceramente o Senhor no silêncio, mas foi com o serviço aos afetados por pestes e epidemias que encontraram, integralmente, o carisma franciscano. Por isso, eles cresceram rapidamente, pois respondiam fielmente ao chamado do Senhor e à dor e prece das pessoas.
Hoje, diante da doença contagiosa, da dor da perda (inclusive de alguns confrades) e da falta de recursos por muitos empobrecidos, somos interpelados, como São Francisco e os primeiros capuchinhos, a tocar a “carne sofredora de Cristo”. Muita solidariedade tem se despertado em nós, seja pela compaixão orante, seja pela ação de muitas de nossas fraternidades, que arrecadam alimentos e outros recursos para socorrer, ao seu redor, os mais desprovidos.
O apelo do Crucificado, contudo, chega a nós cada dia mais forte, por meio do crescimento acelerado da doença, bem como pela realidade de privações que vai se agravando em nossa sociedade. Cresce o número de desempregados, de pessoas precisando de conforto e apoio, de grupos, já vulneráveis, que sofrem cada vez mais agressões, como as comunidades indígenas, a população das periferias, as mulheres em suas casas, entre outros. Até mesmo o meio ambiente está sendo muito mais destruído com o desmatamento e a mineração nesses dias. Precisamos escutar esses gritos, sermos sensíveis a eles e fazermos todo o possível a fim de respondermos ao Senhor, que padece em tantos irmãos e irmãs. Por isso, cada frade e cada fraternidade deve, todos os dias, se perguntarem: quem hoje passa necessidade e posso ajudar? Qual a carência, que nos meus limites, posso sanar? Como posso fazer, nesse tempo de isolamento social, para que ninguém viva na indigência e pobreza?
Neste tempo, os detentores de poder político e econômico se aproveitam para, em meio ao caos, impor posições mais autoritárias, de exploração e de extorsão de recursos e direitos sociais. Nesse cenário, o empobrecimento crescerá muito e terá muitas outras consequências. O Brasil e o mundo têm muitos recursos. Há recursos para toda família, no Brasil, ter uma renda mensal de 12 mil reais. Contudo, os bancos têm recebido estímulos trilionários do governo, enquanto o benefício emergencial para mais de 50 milhões de brasileiros prevê uso de apenas 1,2% do PIB. Cientes de que a elevada carga de impostos paga por nós serve para acudir ao povo em momentos adversos como este, ninguém deveria ser forçado a trabalhar precariamente, correndo grandes riscos, por falta de uma renda básica. Somos chamados a ser proativos para com os pobres e marginalizados. Suas necessidades, em tempos de calamidade, não esperam amanhã! Além de os ajudarmos, somos interpelados a questionar as situações de pobreza e marginalização.
Diante disso, vêm algumas luzes, que temos já vivenciado um pouco neste difícil tempo de pandemia e de necessário isolamento social. O Senhor caminha conosco, e podemos, com Ele, reencontrar valores e iniciativas nesta atual situação.
- Sermos “Igreja em saída” e “hospital de campanha”, com uma atenção diária às pessoas com quem compartilhamos nossa vida consagrada, às que têm se dedicado ao cuidado do próximo e às que sabemos que passam por dificuldades;
- Usarmos os meios possíveis neste tempo para apoiarmos os mais fragilizados, promovermos pontes e alinharmos contatos com vistas à solidariedade aos que se encontram mais vulneráveis, organizar campanhas (on-line e nas comunidades) de doação de alimentos e materiais de limpeza e higiene, ou ainda divulgarmos campanhas já existentes, por exemplo, de doação de sangue e outras;
- Solidarizarmos de modo criativo com grupos e áreas mais precários em nossa região. Sabermos mais como estão e compartilharmos de sua situação, por meio da oração e de todas as iniciativas possíveis;
- Estarmos atentos, junto à Igreja, “advogada da justiça e defensora dos pobres” (DAp 395), a defender propostas como a “renda básica continuada” a todos os brasileiros necessitados, para que ninguém seja abandonado na miséria. Devemos também apoiar outras mobilizações que garantam a dignidade das pessoas.
Caminhemos com outras organizações e iniciativas que despontam agora, por exemplo:
- A Articulação Brasileira pela Economia de Francisco tem já trabalhado pela formação de comitês regionais e comunitários, que unem várias forças locais para a solidariedade e o empoderamento do povo. Também incentiva usarmos os serviços e o comércio locais, em vista de fomentar a economia nos bairros;
- A Cáritas está articulando as comunidades cristãs para o “tempo de cuidar”, que é agora, com ações solidárias emergenciais. Muitas organizações e pastorais sociais estão se mobilizando nesse sentido;
- O Papa Francisco recorda-nos os cinco anos da Encíclica Laudato Si’, pelo cuidado da Casa Comum, no próximo 24 de maio de 2020. Ele propõe sermos todos corresponsáveis pelo ambiente onde estamos, seja em relação à natureza, seja referente à saúde e à dignidade das pessoas que habitam cidade e região em que estamos. Podemos realizar momentos, on-line ou em fraternidade, de formação, conscientização, oração a partir do cuidado com a Casa Comum, bem como garantir, junto aos órgãos responsáveis, acesso à saúde e o cuidado do meio ambiente neste tempo... 24 de maio será um domingo e possibilitará mencionarmos a mensagem da Laudato Si’ nas nossas celebrações transmitidas on-line.
Por fim, o mundo se globalizou e temos ferramentas nunca pensadas no passado. Apesar da limitação requerida pela quarentena, necessária e a qual devemos atentamente respeitar, podemos usar dos meios que nos aproximam e organizam, como a comunicação, para agir solidariamente neste tempo urgente de calamidade. A pandemia acontece dentro de uma crise maior socioambiental (LS 139, 194), que vai pedir cada vez mais o nosso compromisso. O amor sempre é próximo e sempre encontra caminhos e soluções para ser presente junto aos que mais precisam.
Festa de São Félix de Cantalício, 18 de maio de 2020.
Frei Sílvio do Socorro de Almeida Pereira (presidente da Conferência dos Capuchinhos do Brasil - CCB)
Frei Nilmar Gatto (ministro provincial do Rio Grande do Sul/ responsável pela JPIC na CCB)
Frei Marcelo Toyansk Guimarães (animador nacional da JPIC na CCB)
Fonte: Capuchinhos do Brasil /CCB
Por Frei Marcelo Toyansk (Conferência CCB)