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Homilia da Ascensão do Senhor / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 12/05/2018 - 08:09

Solenidade da Ascensão do Senhor.

São Marcos 16, 15-20

Evangelho é uma Pessoa, é Jesus, o Filho de Deus e Maria. Pregar o Evangelho, portanto, será sempre apresentar a outra pessoa, a Pessoa que conhecemos, Jesus.

- “Paixão Inútil”: será verdade? A Solenidade da Ascensão do Senhor revela que a vida não é uma “paixão inútil” (como dizia Sartre). Infelizmente, podemos “beber” a idéia de que apesar dos nossos bons sonhos e desejos de bondade, tudo termina em dor, em solidão, em morte.

- Olhando, admirando, uma bela construção, uma bela casa, chegamos à conclusão de que valeu a pena investir na compra do terreno e todo o sacrifício na compra do material e no pagamento da mão de obra para a construção. Olhando, admirando “Jesus glorioso, triunfante e vitorioso” (isto é “Ascensão”), podemos muito bem passar a pautar a nossa vida como a que Ele levou. Então... não é de qualquer jeito que se deve viver, não se constrói uma bela e boa casa sobre areia, mas sobre a “rocha” das boas obras evangélicas. Celebrando a festa da Ascensão, vejamos como estamos vivendo..., pois o chamado é para dar frutos, e frutos que permaneçam.

 - “Revezamento” é a modalidade esportiva na qual eu substituo o meu companheiro: ele fez o percurso dele, me passa o bastão e eu continuo a corrida que ele tinha começado. A festa da Ascensão é um convite para que todos discípulos de Jesus continuem a corrida que Ele começou: “Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura” (v. 15). É como se Jesus dissesse: “Agora é vossa vez....”

- “E disse-lhes: ‘Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura’” (v. 15). “Ide”. Para “ir” não basta saber que Jesus ressuscitou, foi vitorioso, triunfa junto de Deus Pai. Não basta, portanto, um mero crer. Urge ter fé!  Quem tem fé em Jesus une a sua própria vida àquela do Mestre. A fé implica uma escolha, uma decisão, uma aposta, a “entrada em um jogo”. Portanto, decididamente “mergulhar” a vida na proposta de Jesus de Nazaré.“Ide”. Quem parte entra em movimento. Partir é deixar também. Deixar certas imagens de Deus que aprendemos ou nos ensinaram, deixar situações, seguranças, medos, vínculos e coisas que impedem o anúncio do Evangelho. Qual Evangelho?

- “Evangelho” significa “boa, bela notícia”. E a melhor, a mais bela e boa notícia é mesmo a “Pessoa de Jesus”. Olhando a Ele nos damos conta que somos procurados, importantes para Deus. As palavras, as afeições de Jesus nos revelam que somos aceitos de forma incondicional, nos revelam que Deus é “Benevolência”. Anunciar o Evangelho é apresentar “Jesus”, é dizer a todos e a cada um o quanto são procurados e importantes para Deus. O convite é ir e pregar o Evangelho por obras, testemunho e palavras. Certa feita, um guerrilheiro assassinou um juiz. A mãe deste juiz foi visitar o assassino do seu filho. Em certo momento da visita, a mãe disse ao guerrilheiro e criminoso: “Gostaria de lhe abraçar”.  E ele respondeu: “De maneira nenhuma. Eu sei aquilo que fiz. Matei o seu filho. Não merece esse abraço!". A mãe respondeu: "Meu filho está morto. Mas não quero que você seja mais um a morrer. Gostaria que você se sentisse ainda digno de viver, digno de um abraço”.Diante disso... houve o abraço entre os dois. Sabemos pelo diário do guerrilheiro a consequência daquele “abraço-testemunho”. De fato ele escreveu: “A partir daquele dia pareceu-me ter nascido de novo, me senti ainda digno de viver”.  Que Evangelho! Que testemunho de Jesus deu aquela mãe!

Anunciar o Evangelho, portanto, será sempre encarnar o Evangelho, torná-lo vida, real, vivido nas relações de cada dia.  O discípulo encarna o Evangelho, acolhe o amor de Deus, e aí testemunha a presença do Evangelho no mundo. O discípulo é como “vitrine” de uma nova humanidade. Imaginemos uma comunidade, uma família acolhedora, generosa, unida, pois o Evangelho deve ser anunciado com a vida, antes de mais nada.

- “... pregai o Evangelho a toda criatura” (Não só aos homens). Bem sabemos que toda a criação, a natureza, padece as consequências dos nossos pecados. O egoísmo humano, a avidez e cupidez nos fazem predadores, déspotas e manipuladores de todos e de toda a natureza. Parece até que tudo e todos só devem existir se servem ao mero prazer dos loucos e insensatos projetos que obscurecem o sonho de Deus que nos quis como jardineiros e custódios da criação. Cf. Rm 8, 19-25.

- Vamos anunciar o Evangelho. O anúncio do Evangelho será sempre uma ida ao encontro de um pessoa real, que tem um passado de vida, um presente tantas vezes cheio de dilemas e situações. Importa que seja uma mensagem que ilumine, que mostre uma saída, que repasse esperança e fé na vida, no amor de Deus. Anunciar o Evangelho será sempre fonte de reconciliação, de paz na família e de verdade que mostre o caminho certo que combate o caminho de trevas. Anunciar o Evangelho é estimular a pessoa a não reprimir sua responda ao amor de Deus, e ajudar o irmão ou irmã a descobrir a força do bem que ele ou ela tem. Cf. Jo 14, 6.

- “Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (v. 16). Ser batizado, não somente se molhar, mas “mergulhar” na Vida, no Espírito de Cristo, é receber a “seiva” de Cristo, sua energia e vitalidade. É vida nova que faz possível a gente passar por este mundo sem naufragar. Sem esta “seiva” de Cristo viveremos? Na verdade, não viveremos, mas sobreviveremos como que perambulando.....

Quem aceita o Evangelho e acata o batismo melhora o corpo e a vida (a alma), pois não mais só padece a vida, mas, com o Espírito do Senhor, passa a reagir em liberdade às mais diversas situações provocadas por nós mesmos, pelas coisas, pelos acontecimentos e pelas pessoas com às quais vivemos.  “No mundo tereis tribulações”, disse Jesus. O discípulo de Jesus não se esconde, mas confronta o medo, pois o Senhor venceu. E, assim, livre do medo mostra caloroso, simpático, satisfeito, sempre em busca de conhecer mais e mais, sempre em indo ao encontro das pessoas e da beleza da vida. Quem aceita descobre uma vida, uma qualidade de vida até então desconhecida (“... será salvo”).

- Por preguiça? Por ignorância? Por maldade? Não julguemos! O certo é que podemos fazer escolha por uma insensatez, podemos nos “autoexcluir” desta Vida divina que a Vida de Cristo nos oferece. Ao escolher a insensatez, fazemos opção por um projeto de “homem” mesquinho, vil, por um “Barrabás”, um ‘Judas”, um “Herodes”, um “Pilatos”. “... quem não crer será condenado”.

- “Estes milagres acompanharão os que crerem: expulsarão os demônios em meu nome, falarão novas línguas, manusearão serpentes e, se beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal; imporão as mãos aos enfermos e eles ficarão curados” (vv. 17-18).

Como vemos, fica bem claro que são os discípulos que realizam porque creem (“eles expulsarão demônios... manusearão serpentes”). Não esperemos que Deus resolva o que nós podemos resolver.

A fé produz. Jesus, com suas palavras, nos pede que façamos a prova, pois sinais se manifestarão caso creiamos (“Anunciem o Evangelho e vereis”).

- Demônios são forças de morte que atuam e são presentes em nós e fora de nós. Se não são controladas nos desfiguram em orgulho (que nos leva a desprezar o outro), em cupidez, em avidez de dinheiro (que pode levar até mesmo uma pessoa matar outra), em desejo de revanche e vingança (“você vai pagar”), em depravação moral, em falsidade. Há demônios que deixam as pessoas violentas, cínicos, sarcásticos, desdenhosos, zombeteiros, escarnecedores, cruéis, insensíveis. Os demônios, portanto, tentam impedir que o “rosto” de filho de Deus se mostre no ser humano e tentam reduzir e anular o ser humano até o mais baixo nível possível. Os demônios tentam guiar nossas escolhas. Não é por acaso que em nossas cidades parece reinar a divisão, o ódio, os insultos, as guerras, as maldades, tornando “inóspita” a sociedade humana (cf. o exorcismo que São Francisco vez em Arezzo).

Bom! É-nos revelado hoje que somente o Evangelho pode livrar o “coração” dos homens destas forças malignas e mortíferas. Trata-se de crer no Evangelho, acatar o caminho do amoroso Jesus. Sem tal caminho, não há exorcismo.

- “... falarão novas línguas”. Temos nossas falas triviais, falas de fofocas, de falsidades, mentiras, meias-verdades, falas de sedução e insinuação. Há, também, a fala da força, de quem grita mais, fala que mistura orgulho, insulto, ameaça, e que promete guerras, armas, vingança, crimes e represárias. É a fala que busca calar o outro, oprimir; é a fala do confronto para ver quem é o mais forte.

Os discípulos de Jesus falarão novas línguas, a linguagem que aproxima, que facilita o perdão, e que produz o serviço gratuito, o silêncio que escuta, o olhar que recepciona o outro, o aperto de mão e o abraço, o diálogo que exprime emoção e sentimentos. Que nós cristãos nos tornemos “fluentes” nesta nova linguagem aprendida na escola do Evangelho, do Mestre Jesus.

“... manusearão serpentes”. “Sobre serpente e víbora andarás, calcarás aos pés o leão e o dragão” (Sl 90, 13).Não mais seremos dominados e chantageados por qualquer coisa que nos amedronta e que evitamos. Sejamos senhores com o Senhor, tenhamos em nossas mãos o leme da barca que singra o mar. A serpente, o pensamento maligno, não mais conseguirá insinuar em nossa mente mentiras tais como aquela de que o Senhor Deus seja invejoso de nossa felicidade ou aquele outra ideia de que a felicidade coincide em alimentar os próprios caprichos, manias de grandeza e de prazer mesquinho (cf. Gn 3, 1ss)). A serpente quer manobrar nossas decisões, escolhas, depois de ter “envenenada” nossa mente. Manusear serpentes: é o bom sonho que temos no qual não há hostilidade nem agressividade entre os homens (Cf. Isaias 11, 6ss). O Evangelho nos capacita a manusear serpentes...

-“... se beberem algum veneno mortal, não lhes fará mal”. Já desde quando acordamos nos deparamos com falas e músicas, com mensagens e vídeos, com opiniões, atitudes e idéias. Ficamos sabendo de pessoas e julgamos que umas se deram bem e outras se deram mal. Em meio a tantas informações e formação de opinião é impossível que não haja também a presença de “venenos” que envenenam a vida. Sem nos apercebemos “bebemos” venenos, idéias que matam, mais cedo ou mais tarde. São João resumiu todos os venenos em três coisas: a cobiça da carne, a cobiça dos olhos e a ostentação dos bens (cf. 1Jo 2, 16). O veneno tenta confundir o bem com o mal, a luz com as trevas. O Evangelho não permite que o discípulo fique envenenado, pois alerta e o discípulo no fim do dia diz para si mesmo e para o Senhor em oração: “Tens razão, Senhor, beber “veneno” mata, eu o renuncio.

“... imporão as mãos aos enfermos e eles ficarão curados”. Sair de uma enfermidade nos deixa gratos ao Senhor. Maior, graça, porém é consegui tirar proveito da enfermidade, quando ela vier.  Será possível? Com o Evangelho, sim, podemos tirar proveito até mesmo de uma enfermidade. Este é o real sentido da frase: “ficarão curados”. O maior proveito que se pode tirar de uma enfermidade é encontrar um sentido (cf. Atos 5, 41). O Evangelho nos ajuda neste sentido. Por isso deve ser pregado também aos enfermos que estão em suas casas e que estão nos hospitais. A Igreja dispõe da “Unção dos enfermos”, presença sacramental de Jesus e da Igreja junto aos que sofrem no corpo e na alma, presença que gera também serenidade, aquela serenidade que colabora para que o corpo reaja bem e se restaure na medida do possível e da graça de Deus. O Evangelho, a presença de Jesus e seu amor, tem uma força medonha que nos faz acatar nossa realidade nesta terra, realidade também biológica que padece os efeitos do tempo e da idade que chega.

- “Os discípulos partiram e pregaram por toda parte. O Senhor cooperava com eles e confirmava a sua palavra com os milagres que a acompanhavam” (v. 20). 

Tantas vezes dizemos: “Por que Deus não age diante de tanta injustiça no mundo?”.  Etty Hillesum, prisioneira em Auschwitz, escreveu: "Oh, Deus, chegará o dia no qual não seremos nós a fazer a pergunta: ‘Onde estás Senhor?’, mas serás, Tu, a nos chamar em causa e nos perguntar sobre as nossas responsabilidades perguntando: ‘Onde estás, homem?’”.

Um dia um rapaz rezava: “Senhor, por que não fazes algo para que no mundo não haja tanta desgraça, miséria, violência?”. E o Senhor respondeu: “Já fiz!”. O rapaz não entendendo, perguntou: “O que fizestes?”. E o Senhor Deus respondeu: “Fiz você”. Moral da história: Deus coopera, não nos substitui.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.