Homilia da Quarta-feira Santa - (08/04/2020) - Frei João Santiago
Quarta-feira da Semana Santa
(Mt 26, 14-25)
“... 17.No primeiro dia dos ázimos, os discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram-lhe: ‘Onde queres que preparemos a ceia pascal?’. 18.Respondeu-lhes Jesus: ‘Ide à cidade, à casa de um tal, e dizei-lhe: O Mestre manda dizer-te: Meu tempo está próximo. É em tua casa que celebrarei a Páscoa com meus discípulos’. 19.Os discípulos fizeram o que Jesus tinha ordenado e prepararam a Páscoa”.
No Evangelho de hoje temos um clima de Páscoa que nos lembra a saída do Egito, a libertação de tantas amarras, o abandono de toda escravidão, idolatria e falsas imagens de Deus. Páscoa celebrada, agora, na Eucaristia quando comungamos Aquele Deus que nos liberta de toda opressão, de todo desamor e de todo medo. Participando de “corpo e alma” da Eucaristia nos tornamos filhos de Deus, participamos da Vida do Eterno que nos livra de todo mal, pecado e morte.
- Espiritualmente falando, nos perguntamos: de quem é a casa na qual o Senhor há de celebrar a Páscoa? É a casa de quem ler o Evangelho; é na minha e na sua casa que o Senhor há de celebrar a sua Páscoa. O Senhor Jesus quer cear comigo, partilhar comigo seu mistério de doação de vida e convida-me à sua ceia.
- “20.Ao declinar da tarde, pôs-se Jesus à mesa com os doze discípulos.21.Durante a ceia, disse: ‘Em verdade vos digo: um de vós me há de trair’. 22.Com profunda aflição, cada um começou a perguntar: ‘Sou eu, Senhor?. 23.Respondeu ele: ‘Aquele que pôs comigo a mão no prato, esse me trairá’”.
Antes mesmo de dividir o prato com o traidor, Jesus anuncia a traição. Antes mesmo de doar a sua vida, sabe que há ali um traidor. E, no entanto, partilha do seu prato e partilha de sua vida, mesmo sabendo que ali havia traição, havia o traidor. O fato é que Jesus se oferta, ama, até mesmo traidores, infiéis e idólatras. Não esqueçamos que entre os seus discípulos havia, sim, traidores, avarentos, idólatras, violentos....
Vamos à Eucaristia, pois ela é nossa salvação. O Senhor continua partilhando conosco o seu “prato”, o alimento ali contido, sua pessoa no seu corpo e sangue. Na Eucaristia temos uma profunda revelação de Deus: enquanto o Senhor em sua santidade vai acolhendo, amando, procurando, fazendo-se alimento e salvando os humanos, estes vão, como Pedro e Judas traindo, e como os demais, abandonando-O. Temos um que participa diferente da Eucaristia, e é o discípulo amado. Somos chamados a nos tornamos um discípulo amado, fiel, perseverante até à Cruz. Mas não esqueçamos: tem lugar também para um “Pedro da vida”.
- “24.O Filho do Homem vai, como dele está escrito. Mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem é traído! Seria melhor para esse homem que jamais tivesse nascido!”. 25.Judas, o traidor, tomou a palavra e perguntou: ‘Mestre, serei eu?. Sim”.
Jesus é traído, não por um estranho, mas por um “irmão”, por um amigo, por um que come junto com ele e com ele divide o mesmo prato.
O Filho do Homem vai morrer porque escolheu carregar sobre si a violência dos seus irmãos, não tirou seu time de campo, não desistiu de se tornar o “Servo sofredor” que alivia a dor dos outros, mesmo pagando com a própria vida. Tantas violências são feitas a tantos “servos sofredores”: crianças abortadas, pobres escravizados, mulheres violadas, vitimas das guerras, da carestia, da especulação, dos jogos políticos de poder..... Viver para “danificar” tantas vítimas, nascer para fazer o mal? Não vale a pena, é melhor não nascer: “Mas ai daquele homem por quem o Filho do Homem é traído! Seria melhor para esse homem que jamais tivesse nascido!”.