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Homilia da Solenidade de São Pedro e São Paulo / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 30/06/2018 - 19:28

Solenidade de São Pedro e São Paulo, Apóstolos.

Mateus 16, 13-19

"Chegando ao território de Cesaréia de Filipe, Jesus perguntou a seus discípulos: ‘No dizer do povo, quem é o Filho do Homem?’ 14.Responderam: ‘Uns dizem que é João Batista; outros, Elias; outros, Jeremias ou um dos profetas’. 15.Disse-lhes Jesus: ‘E vós quem dizeis que eu sou?’ 16.Simão Pedro respondeu: ‘Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!’ 17.Jesus então lhe disse: ‘Feliz és, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. 18.E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. 19.Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus’". 

Distância! Pedro e os demais discípulos serão levados para longe, para Cesaréia de Filipe, e lá terão que se experimentarem, serão colocados diante de dois caminhos. Todos nós passamos por “distâncias”! Imaginem um casal que por anos a fio veem seus filhos crescerem. Um dia cada um dos filhos se distanciará, construirá, cada um, a própria família, irá para longe, terá a própria casa.

Distância! Imaginem dois jovens apaixonados e um deles decide romper, terminar o namoro. Distância! A idade e os achaques trazem distância de quando se era jovem e forte. Mudanças de cidade, amizades que se rompem, decepções, perdas de entes queridos, problemas financeiros e de realizações.... tantas distâncias! Nestas distâncias seremos perguntados sobre o sentido da vida e sobre o sentido de tantas coisas, tais como o sentido do amor, da amizade, da fidelidade, da dedicação, dos sacrifícios, da fé.

- “Quem é o Filho do Homem?” “O Filho do Homem pode ser João Batista, Jeremias ou um dos profetas”, respondem alguns. É... diante de desatinos e distâncias, como as que vimos acima, tendemos a dar respostas “humanas”, respostas “já dadas” que basicamente dizem assim: “A vida é assim!”; “Busque superar as distâncias, faça uma faculdade, faça academia, busque uma espiritualidade, busque um outro amor, faça o que quiser”. Nestas respostas não há nenhuma novidade, são respostas que não provocam tanto e que “sepultam o Vivente” que nos pode fazer vivos.

Nosso Senhor, a um certo momento, provoca fortemente seus discípulos: “E vós quem dizeis que eu sou? Qual meu peso, importância e significado em vossas vidas? Eu conto alguma coisa para vós? Eu significo algo para vós?” Jesus provoca ser olhado, considerado. Ele quer entrar em comunhão e em diálogo. Jesus, o Filho de Deus entre nós, humildemente se expõe, mostra-se aberto e acessível, mostra seu amor. E quem ama deseja, quer ser aceito por aquele a quem ama. Amar é se expôr, é fazer uma declaração, é revelação, pois quem ama se revela e espera ser acolhido, reconhecido.

E tem mais. Os discípulos estavam em Cesaréia de Filipe, cidade bonita, confortável e até luxuosa. Herodes tinha começada a construção e seu filho Filipe a terminou. Os dois não deixavam de serem modelos de homens espertos que conseguiram algo na vida, mesmo que cometendo opressão e crimes. Bom... Jesus perguntando “Quem sou eu para vós?” está provocando seus discípulos (E a nós também) a tomarem uma decisão acerca de qual tipo de “homem” eles querem optar, tomar decisão, apostar a vida. Um concorrente aos grandes e reis da época? Um Messias que restaure a glória de Israel esmagando os inimigos? Já pensou tomar posse de Cesaréia com a ajuda do Messias? Acreditamos que com aquela pergunta “Quem sou eu para vós?” feita em plena Cesaréia de Filipe (“Um sonho de consumo”) os discípulos tiveram que escolher entre optar pelos bens, glória e poder com a ajuda do Messias, ou optar pelo Messias Jesus, pela pessoa de Jesus. Hoje em dia tem aquelas pessoas que andam por aí à procura, não de Deus, mas daquilo que Deus possa oferecer para elas. Coisa feia: é como procurar se aproximar de alguém, até fingindo amizade, só porque este alguém dispõe de vantagens, dinheiro, fama, influência e bens.

Pedro responde pelo grupo: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo”. Pedro estava dizendo: “Tu és o Vivente, Aquele que me faz vivo, o Esperado do meu coração, a Plenitude dos meus desejos e da minha “ambição”, a Realização de todas as promessas. Tu és o meu Deus, o meu Tudo”. A partir daquele dia Pedro será “Pedra”, receberá um nome uma missão, um destino, um futuro, saberá o que fazer da vida e como “consumir” os seus dias nesta terra. Nasceu novamente, se fez nova criatura. “Em tua luz veremos a luz”: quando descobrimos a luz de Cristo passamos nós mesmos a enxergar uma luz própria. Não é por acaso que os apaixonados, como dizem os poetas, “veem passarinhos” toda hora, isto é, estão sempre alegres, felizes, sorrindo, cheios de sentido na vida.

Quando Jesus Cristo, o filho de Maria e do Deus vivo, deixa de ser um desconhecido e passa a ser significante para minha pessoa, eu me torno “beato”, feliz, “degustador” dos segredos do Senhor: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus”.

O segredo, qual? Pedro descobriu o Vivente no homem Jesus. O Vivente é o meu apoio mesmo que tudo caia e todos me deixem. O Vivente me faz sentir capaz de tantas coisas, pois n´Ele está minha fonte. O Vivente me faz viver e escolher. Importa eu tomar partido, escolher o Vivente que a mim se mostra e me provoca e convoca: “Quem sou para ti?”. O grande escritor Sartre deixou-nos uma triste lembrança. Dizia ele que aos cinco anos de idade, depois de um incidente em seu quarto no qual causou um incêndio que quase o levou a morte, Deus lhe apareceu. E ele – Sartre – disse “não” a Deus. Sartre concluiu o trágico episódio de sua vida dizendo que depois daquele dia nunca mais Deus lhe apareceu. “Quem sou eu para ti?”

Aceitar que Jesus, o filho de Maria, seja o Messias? Só uma graça especial torna isso possível (“... não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus”). Por quê?

Enquanto os judeus esperavam o “dia da vingança” (cf. Isaias 61, 2.5), Jesus apregoa o perdão e proclama a “esperança” também para os pagãos e invasores.

Esperar o “dia da vingança” é aquela satisfação que temos quando tudo acontece segundo o nosso planejado, o nosso desejo e também segundo o que achamos certo, correto e justo. Por isso é bem capaz que cada um tenha o seu “Deus” na própria cabeça.

Pedro não ficou petrificado, fanático e nem fixado em suas crenças. Pedro não se satisfez contente com o próprio mundinho e juízos. Não ficou ébrio de si. Ao contrário, se ateve ao novo, se rendeu àquelas palavras cheias de encanto que saiam dos lábios de Jesus. Aceitou que o Messias fosse humano, aceitou sua mãe Maria, sua descendência; aceitou que fosse filho de Maria e José, tivesse uma família. Aceitou que o Messias Jesus não retaliasse aos adversários e nem desejasse o mal para os mesmos. Não foi fácil para Pedro (de fato, cairá, trairá), não é fácil deixar o nosso “dies irae, nosso dia da vingança”. Mas, para conhecer a Jesus como Senhor, Vivente e Messias, urge adesão, confiança, entrega e abandono amoroso ao Jesus que Maria nos apresentou, isto é, o Messias humano, amoroso e mortal. Não esqueçamos daqueles seus vizinhos que não aceitaram nem a Ele (Jesus), nem ao seu pai e mãe: "... diziam: ‘Não é este o filho de José?’ -  o filho de Maria - ... encheram-se todos de cólera na sinagoga. Levantaram-se e lançaram-no fora da cidade; e conduziram-no até o alto do monte sobre o qual estava construída a sua cidade, e queriam precipitá-lo dali abaixo” (Lc 4, 22-30; cf. Mc 6, 3)).

- “E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus" (18-19). Na fé de Pedro o Senhor edifica sua Igreja. Aquele fé: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!”. Não há outro caminho de acesso ao Reino: se estamos com Pedro e sua fé, estamos nos “céus”; e se não estivermos com Pedro e sua fé, estamos errantes, batendo em portas erradas, estranhas ao Reino, aos “céus”. E a fé que nos salva, a fé de Pedro, é esta: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!”. Jesus é o Cristo. E Jesus perseverou no caminho do Pai, não resistiu ao malvado e venceu o mal com o bem. A este Jesus devemos proclamar como Nosso Senhor, como o Cristo, o Filho de Deus vivo.

Não é brincadeira! A vida também apronta: situações difíceis e que julgamos impossíveis de superação se abatem. E aí? Quem está com Pedro e na fé de Pedro, supera:

“Naqueles, dias, o rei Herodes ...  mandou, além disto, prender também a Pedro. ... Nisto, apareceu o Anjo do Senhor, e uma luz brilhou na cela da cadeia. O Anjo acordou Pedro, tocando-lhe no lado, e disse-lhe: ‘Levanta-te depressa’. E as correntes caíram-lhe das mãos .... Então, Pedro, voltando a si, exclamou: ‘Agora sei realmente que o Senhor mandou o Seu Anjo e me libertou da mão de Herodes e de tudo o que esperava o povo judeu’” (At 12, 1-11);

 “Caríssimo: Eu já estou a ser oferecido em sacrifício, e o momento da minha morte está iminente.
Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. ... E eu fui libertado da boca do leão.
O Senhor me há-de livrar de toda a acção perversa e me levará são e salvo ao Seu Reino celeste.
Glória a Ele por todo o sempre. Ámen” (2 Tm 
4,6-8.17-18);

 “Enaltecei comigo ao Senhor, e exaltemos juntos o Seu nome. Procurei o Senhor, e Ele atendeu-me; libertou-me de todos os meus temores. Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes: vossos rostos não se hão-de cobrir de vergonha. Este pobre clamou, o Senhor o ouviu, salvou-o de todas as angústias. O anjo do Senhor protege os que O temem e defende-os dos perigos. Provai e vede como o Senhor é bom; feliz o homem que n’Ele se refugia” (Sl 33).

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.