Homilia do I Domingo do Advento / Frei João Santiago
I Domingo do Advento
Marcos 13, 33-37.
"Ficai de sobreaviso, vigiai; porque não sabeis quando será o tempo. 34.Será como um homem que, partindo em viagem, deixa a sua casa e delega sua autoridade aos seus servos, indicando o trabalho de cada um, e manda ao porteiro que vigie. 35.Vigiai, pois, visto que não sabeis quando o senhor da casa voltará, se à tardinha, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela alvorecer, 36.para que, vindo de repente, não vos encontre dormindo. 37.O que vos digo, digo a todos: vigiai! "
- Existe a noite, a escuridão do mundo marcado pela violência, agressão, pela exploração e abusos, pela injustiça e desumanidades, pelas incertezas acerca do amanha e pela falta de amor, pelas guerras e miséria de inteiras populações, pela incoerência daqueles que deveriam dar o exemplo, pelo abandono dos jovens das nossas comunidades. Existe a tentação da mera resignação, do cruzar os braços e não mais esperar, restando fechar os olhos e dormir. Existe o convite: “Ficai de sobreaviso, vigiai, elevai os olhos, pois a Luz vem, o Senhor vem!”. Autoridade e serviço recebemos do Senhor: não durmamos, não sejamos negligentes.
- Qual será a nossa noite? Elenquemos possíveis noites: ódio, ressentimentos, rancor, remorsos, vida dupla, desilusão amorosa, decepção, raiva, vingança, solidão, ostracismo, baixa estima, falta de sentido na vida, devassidão, bebedeiras, orgias, sofrimento, depressão, agitação, vícios..... Que o sono não nos deixe em tais noites. Autoridade e serviço recebemos do Senhor: não durmamos, não sejamos negligentes.
- A “boa notícia” é que o Senhor vem durante a noite. Importa não se render ao sono, mas manter a esperança de que a Luz vence as trevas. E se mantém a esperança de olhos abertos, dialogando e interagindo com os apelos divinos que diariamente se apresentam à nós. O Senhor vem sempre para iluminar nossas noites.
- “... não sabeis quando será o tempo”, isto é, não percamos a oportunidade quando o tempo de Deus se faz presente, pois o tempo de Deus sempre carrega consigo nossa felicidade.
- Vigiar significa olhos atentos e capacidade de interagir, aderir e acatar os apelos que a Vida, Deus, nos faz. Vigiar é ser responsável, responder às exigências de nossa missão de pai, de mãe, de religioso, de cidadão, de cristão membro de uma comunidade, de uma Igreja. Autoridade e serviço recebemos do Senhor: não durmamos, não sejamos negligentes.
- O Senhor delega uma tarefa a cada um de nós, seus servos, que possuímos o mesmo pensamento do “Dono” da casa. Desta maneira Ele se faz presente. Afinal, Ele disse que estaria conosco quando estivermos unidos (“... e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” – Mt 28, 20). Somos também “porteiros” (“... e manda ao porteiro que vigie”): que a nossa consciência seja bem formada, não deformada pela devassidão e pela moral e pensamentos desse mundo. Que o “porteiro”, a nossa consciência, não deixe entrar em nossa casa o relativismo que confunde o bem com o mal, que troca a verdade pela mentira, a honestidade pelos mesquinhos interesses. “Muitos” querem adentrar em nossa casa, passar pelo “porteiro” (consciência), prometendo paz, felicidade, alegria. Tantos tentam usurpar a “casa’ de Deus, a nossa vida, reinar sobre nossas vidas, mas só deixam um rastro de sofrimento e morte. Por isso o forte convite: “Vigiai” e cuidado para não trair o nosso projeto, que o mesmo do “Dono”.
- "Ficai de sobreaviso, atenciosos, vigiai”. Dormimos e sonhamos com um mundo de sonhos. O despertador toca, e acordamos para a realidade. Por vezes levamos a vida como vivendo em um mundo de sonhos. A realidade insiste em dizer o contrario, e nós insistimos em viver no mundo de sonhos: castelos de areia, casas sem fundamentos, futuro sem presente. Tantos fatos da vida nos incitam a “acordar”: fatos alegres, fatos tristes, fatos de sofrimento. A primeira decepção da vida. Um perdão concedido. Qualquer reprovação ou insucesso. O primeiro emprego. A juventude que passa. Os filhos que crescem. A idade que chega. Os netos que nascem. Amizades desfeitas. Reconciliação perdida. Pecados cometidos. Fé renovada. Em tudo isso o Senhor vem, nos convidando a responder com aquela fé de que é possível, sim, viver como irmãos que tem o mesmo Pai.
O PERIGO mora ao lado e durmo sempre ao lado dele. O PERIGO maior é dormir eternamente ao lado dele. "Ficai de sobreaviso, atenciosos, vigiai”. Mantenha-se em aspiração, expectativa, jamais paralisado diante de um prazer deste mundo, mas em prazer de aspiração, que nunca se esgota, sem ressaca e sem saturação. Prazer que convida a se levantar, ofertar, amar.
Disse o Diabo: “... manda que estas pedras se tornem em pães. ... Toda esta glória te darei ...” (Mt 4). O vigilante recusa tal oferta, mas o dorminhoco se esbalda em pães e glórias. Como vou saber se com as coisas e comigo estou no torpor, dormindo ou cochilando? Quando o meu centro pessoal ficará enlameado e fincado no ciúme, na inveja, na difamação, na intriga, no ressentimento, na vingança, etc.
Entre dormir ou vigiar: “... fazei-vos servos uns dos outros pela caridade ... Mas, se vos mordeis e vos devorais, vede que não acabeis por vos destruirdes uns aos outros. Ora, as obras da carne são estas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, superstição, inimizades, brigas, ciúmes, ódio, ambição, discórdias, partidos, invejas, bebedeiras, orgias e outras coisas semelhantes. ... Ao contrário, o fruto do Espírito é caridade, alegria, paz, paciência, afabilidade, bondade, fidelidade, brandura, temperança. Não sejamos ávidos da vanglória. Nada de provocações, nada de invejas entre nós (Gal. 5, 13-26). Dormir ou vigiar: “Não podeis servir a dois senhores....”. Já o Apocalipse fala de frio ou quente, pois o morno será vomitado.
E se vivo sem vigilância, preguiçosamente dormindo? Certamente morrerei sem vigilância, preguiçosamente dormindo! Eu sou as escolhas que fiz e serei as escolhas faço agora. Vivendo, o ser humano vai se fixando devido a sua própria vontade. Fixando-se no bem? Fixando-se no mal? No dia da minha morte estarei fixado em....? Fixado com...?
Tinha a águia que pensava ser galinha. Estava em torpor, embasbacada. Veio um vento forte e ela na reação ao vento descobriu ser águia. Saiu do torpor, do sono. Só um vendaval, uma procela instaurada pode desfazer o torpor, a fim de que um torpor se desmanche e um embasbacado acorde.
Muitas são as Palavras de Jesus para se sair do torpor. Escolhemos uma: “Vereis o céu aberto ....”; e preferimos outra: “Em verdade, em verdade vos digo: aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas”. Ora, Jesus “ressuscitou” Lázaro, um morto. Fazer algo mais do que isso?! São Paulo nos ensina que é possível se sair do torpor: sendo escravos uns dos outros, isto é, amando (cf. Gálatas, 5, 13ss)
Espiritualidade do Advento
- Estamos iniciando o tempo do advento. Algo vem ao teu encontro, está vindo e vai te encontrar, queiras tu ou não: isto significa “ad-ventus”. No entanto para que o encontro seja pleno, precisa de tua escolha, adesão: “Eis que estou à porta e bato.......”
- A Vida, Deus, quer nos dar um presente; nos está enviando algo. Acolhemos? – Um dia um amigo me disse: Amanhã passo na tua casa às 16.30". "Sim, ok”, lhe disse. Fico te esperando. Somente que no dia seguinte fui visitar uma pessoa: ele veio, mas não me encontrou. Não nos encontramos”.
- Advento nos prepara ao Natal. Natal quer dizer que Ele vem. E eu estarei?