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Homilia do II Domingo da Páscoa - ano B / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 07/04/2018 - 13:49

II Dom Páscoa

João 20, 19-29 

Jesus ressuscitou! A ressurreição não é uma reanimação de cadáver; não é voltar a ter a vida que se tinha, mas é entrar no mundo do Eterno. E nós, peregrinando neste tempo, podemos nos ancorar em Cristo Ressuscitado. Quando Jesus diz: “Lázaro, sai para fora ... desatai-o e deixai-o partir”, Jesus desafia Lázaro a fazer a própria vida, quase que dizendo: “Encontrar-me-ás vivo e ressuscitado quando viverás a tua vida, quando se fará carne, quando se fará dia-a-dia o que tens de mais precioso dentro de ti: amar, servir, promover o outro. Isso é “crer sem ver”, é felicidade, pois leva o discípulo a realizar a própria páscoa realizando a própria vida. (Uma coisa é você assistir alguém colando grau, outra coisa é você colar grau!). “Crer sem ver” é a alegria de sentir a vida do Ressuscitado em nós e ao mesmo tempo ir se fazendo ressuscitado também. “Crer sem ver” é a nossa chance! Quando teremos “acreditado totalmente” sem ver, aí, sim, veremos “face a face”. “Crer sem ver” é um chamado, é um desafio, é sofrer a forte atração pela Palavra que nos chama para “águas mais profundas”.

Crer sem ter visto, crer “somente” escutando a Palavra transmitida pelos irmãos, vivendo em comunidade, engajado na Igreja. Temos aqui uma fé (um acreditar) vital, que se faz vida, cotidiano, relação com os demais, sentimentos, pensamentos, emoções, que se faz prece, oração, júbilo, força diante das tribulações. É crendo desta maneira que eu me faço encontrar com o Ressuscitado, “entro” naquelas feridas (tal como Tomé), entro em comunhão com Ele, acolho o seu Espírito e o Seu Amor.

“... Depois dessas palavras, soprou sobre eles dizendo-lhes: ‘Recebei o Espírito Santo’...”. Jesus sopra o Espírito dentro da intimidade de cada discípulo e este Espírito nos faz entender que o amor triunfa: aqui está a fé na ressurreição. Isto é muito grave! Por vezes professamos a fé, cremos na ressurreição tal como afirmamos que existiram Moisés e Abraão. Mas apostar que o amor, o bem, a verdade e a honestidade triunfam, nem sempre apostamos.  A palavra “Amor” significa vencer a morte (a-mortis). Aqui não se trata de crer na imortalidade simplesmente, trata-se de apostar a vida em algo que vence a morte e que nos faz entrar no reino do Eterno. “Quem ama (quem age em promovendo o outro) passou da morte para a vida” (1Jo). Não esqueçamos que “amar” é um verbo, exige ação, não meramente um proclamar a fé. Não se trata meramente de professar uma fé, mas de viver como ressuscitados também: “Quem crer em mim jamais morrerá” (Jo 11, 26). Crer em Jesus é apostar no que ele fez, decidiu, procurou.

Receber o Espírito do Ressuscitado é realizar o “matrimônio espiritual”, é formar “uma só carne” com o Senhor. O Espírito doado não é calculado por quem doa, assim também não deveria ser calculado por quem recebe.

Alguém diz que o sentido de nossa vida é acolher o dom do Espírito, isto é, sem viver no Espírito é-nos impossível, mais cedo ou mais tarde, suportar a vida com os seus “aperreios”.

- “... mostrou-lhes as suas mãos e o lado. A recepção do Espírito está em relação com as chagas. Cabe à nós considerar fortemente Nosso Senhor enquanto chagado, isto é, enquanto nosso amante, aceitando o quilate do seu amor por nós. Para não se confundir o Espírito Santo com “tantas emoções”, devemos afirmar que a marca do Espírito do Senhor é que ele provém das chagas do Cristo e nos conduzem às chagas presentes na comunidade. Em outras palavras, o Espírito será sempre Espírito de serviço, de reconciliação. 

Portas trancadas por medo. Lembro de uma vez ter dito ao pároco da paróquia na qual se localizava a minha escola: “Estudei três anos naquela escola e jamais recebemos a visita de alguém desta paróquia”. Infelizmente as comunidades cristãs se ausentam (por medo? Por preguiça? Por falta de zelo e entusiasmo?) de ambientes, de pessoas, de instituições que parecem “desconfortáveis”. Por medo, nós também não iluminamos nossas trevas interiores e passamos a viver escravos de frases ditas (“Não acredito mais”; “Tenho medo de errar, de ser traído (a)”; “O que será de mim amanhã?”). E assim o nosso mundo interior e exterior continua sem luz, sem a força do Espírito, sem a Palavra. E Assim agente vai levando.....

O Evangelho nos mostra o Senhor que vem em nosso socorro na maior das escuridões, no maior de nossos medos. Os apóstolos sofriam por medo de serem presos e mortos, sofriam pelo sentimento de culpa por terem abandonado o Mestre. Por isso estavam ali, enclausurados, trancados, acuados: que vida!!! Vida que não é viver, vida que não mais espera, que não imagina mais nada de novo. Encontrar o Senhor, o Ressuscitado, é deixar que Ele ilumine nossos medos, pecados, fragilidades e trevas.

Por quê o medo? Por que não acreditavam no mistério de uma vida marcada pelas chagas? Por que não acreditavam na força presente no mistério que se esconde atrás de uma vida que se faz alimento, que acaricia os desconsolados, que ensina a verdade, que não se deixa chantagear, que ensina a partilhar o pão, que defende e consola as mulheres da época, que chama de amigos aos seus seguidores, que confia em dar o bem mais precioso, a vida, por puro amor, até aos inimigos? O “Vivo para sempre”, o Ressuscitado é a revelação desse mistério: em doando a vida se entra no mundo do EternoTrata-se de crer que uma vida feita semente não é perdida.

No Evangelho deste domingo, temos a figura de Tomé.   Tomé, também chamado Dídimo (Dídimo significa gêmeo, isto é, somos parecidos com ele) não estava reunido com os demais. Estava entre os incrédulos, fora da comunidade. Talvez estivesse desanimado como tantos discípulos hoje em dia. Desanimado por fofocas internas ou qualquer escândalo que acontece, por vezes, nas nossas comunidades. Pode ser também que simplesmente não quis ficar trancado por medo, mas fazer sua vida de outro jeito já que aquela apregoada por Jesus, até onde ele pensava, não tinha dado certo, mas dado em perseguição, morte, fracasso. Tomé pode representar aquelas pessoas que, apesar de “tocarem” suas vidas, e de até fazerem o bem, julgam que o fim é mesmo é o fracasso, a morte sem sentido.

À Tomé Jesus diz: “Não seja incrédulo, entra na fé (põe teu dedo nas minhas mãos chagadas), entra dentro desse círculo amoroso de doação que eu vivi e por isso estou vivo e sou o Vivo, o Ressuscitado”. Entrar nas chagas é entrar em Deus enquanto Deus eternamente é ferido de amor pela sua criação. As chagas são aberturas, fendas: no mistério de uma vida que ama e que se dedica, trabalha e pena também entra-se no reino do Eterno.

Tomé estava ausente, não partilhando a vida com os irmãos. Depois encontrará o Senhor quando regressar à comunidade. Por mais que se defenda uma felicidade quando se leva uma vida que só pensa em si, a experiência do Senhor vivo que nos faz vivos, somente se faz valer quando a vida é vida partilhada. Aprendamos a partilhar nossos medos e fraquezas com os irmãos de comunidade: “Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, lá estarei”, disse Jesus.  

Jesus disse: “Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos”.  O Espírito soprado sobre nós nos impulsiona a uma missão.O homem é missão, tem a face para “encarar” outras faces (dirigir-se a outros). O que fazemos com nossas faces? Nosso Pai é o Pai de muitos filhos. Então... sendo filho d´Ele tenho muitos irmãos. Que minha face se dirija aos irmãos como irmãos, não como adversários, pois assim vivo como filho do Pai.

Todo discípulo recebe o Espírito, o poder de Deus que perdoa, e, assim, encontra-se capacitado para combater o mal, o pecado. Trata-se de agir a fim de que alguém abandone a estrada errada. E se não o fizer, estará colaborando para que o mal reine. Imagine-se agarrando uma caça que tenta escapar: você poderá liberá-la ou não. Caso decida pelo “não” liberar: agarra-se a muitas feridas, ofensas causadas por tantos tipos de agressões.  Podemos reter tudo isso e assim caminha a humanidade intoxicada pelo veneno das ofensas recíprocas que geram pessoas áridas e sem vitalidade. Caso decida por liberar a caça, estará perdoando, e, assim, a vida nova chega; desenlaça-se de nós cegos; bons ares nos alcançam. O perdão liberta: aprendamos a nos perdoar, a receber o perdão e também a perdoar. 

O perdão é medicinal, nos livra das trevas, pois é no perdão que toda e qualquer “miséria” recebe uma nova história. É no perdão que toda relação se fortalece e onde o próprio mal se torna, por isso mesmo, revelação de um amor maior do que o mal. Com o perdão, o mal não tem a última palavra.

- “... àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos...”: Por vezes a comunidade cristã, a Igreja, declara o “não perdão”. É uma ação a fim de que o pecador tome consciência do mal praticado e feito ao irmão, a fim de que o pecador não continue se ufanando e desdenhando da vítima do seu mal. O mal deve ser denunciado: é, sim, um grande ato de misericórdia, tornar evidente que o mal é mal. Quem não lembra o que disse Natã a Davi? E se Natã não tivesse dito nada? 

Jesus mostra-lhe as mãos chagadas e o peito ferido, mãos que serviram, ampararam, consolaram, e o “peito-coração” de onde saiu para nós a Vida, o Espírito.  No final de nossas vidas haveremos de mostrar nossas mãos (cf. Mt 25, 32ss): que fizemos? Que deixamos de fazer? Deixamos quais marcas por onde passamos e nas pessoas que nos conheceram? Geralmente quando alguém quer se apresentar mostra a própria face. Aqui Jesus mostra mãos e costado. É como se Jesus dissesse: “Vejam... sou eu, eu sou mãos que servem e coração que ama”. E você: o que revela sua identidade?

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.