Homilia do III Domingo da Páscoa - ano C / Frei João Santiago
II Domingo da Páscoa (João 21, 1-19)
A nossa alegria de viver depende muito da manifestação do Senhor. Ele é o Ressuscitado e se dá a conhecer para quem se mete em direção ao mar a fim de pescar, a fim de entrar em comunhão, a fim de resgatar os irmãos que jazem sob a tirania da miséria do corpo e da alma.
- “1. Depois disso, tornou Jesus a manifestar-se aos seus discípulos junto ao lago de Tiberíadês”. Como se manifesta?Manifestação que se faz real através da atividade missionária ou apostólica por parte dos discípulos (através da pesca) quando os seres humanos são resgatados do mar, do mal, da morte, do pecado, e através da Eucaristia (“Vinde e comei”- v. 12). O Senhor sempre se manifesta. O drama é que eu nem sempre o reconheço. Naquele dia, os discípulos reconheceram o Senhor quando se tornaram “filhos”, quando escutaram a Palavra (“Filhos, tendes algo para comer?” “Não!” “Então lançai a rede ao lado direito”) e quando foram ao mar, isto é, ao encontro dos irmãos que se encontravam enlaçados pelo mal, pelo pecado e pela morte (“Lançaram-na, e já não podiam arrastá-la por causa da grande quantidade de peixes. Então, aquele discípulo a quem Jesus amava, disse a Pedro: ‘É o Senhor’”).
- “Manifestou-se deste modo: 2.Estavam juntos Simão Pedro, Tomé (chamado Dídimo), Natanael (que era de Caná da Galileia), os filhos de Zebedeu e outros dois dos seus discípulos. 3.Disse-lhes Simão Pedro: ‘Vou pescar’. Responderam-lhe eles: ‘Também nós vamos contigo’. Partiram e entraram na barca. Naquela noite, porém, nada apanharam”. Pedro decide entrar no mar a fim de pescar, decide ir ao encontro dos irmãos, realiza sua missão, deseja testemunhar o amor do Pai. Os outros entram em comunhão com ele e vão pescar juntos. Nada conseguem. Vida sem frutos. Não basta a nossa união. “Permaneçam em mim, e eu permanecerei em vocês". ... Vocês também não podem dar fruto, se não permanecerem em mim.Eu sou a videira; vocês são os ramos. Se alguém permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; pois sem mim vocês não podem fazer coisa alguma” (Jo 15, 4-5). É a nossa comunhão com Ele que cria a comunhão entre nós: comunhão fecunda.
- “4.Chegada a manhã, Jesus estava na praia. Todavia, os discípulos não o reconheceram. 5.Perguntou-lhes Jesus: ‘Filhos, não tendes acaso alguma coisa para comer?’. – ‘Não’, responderam-lhe. 6.Disse-lhes ele: ‘Lançai a rede ao lado direito da barca e achareis’. Lançaram-na, e já não podiam arrastá-la por causa da grande quantidade de peixes”. Jesus se encontra na praia, em nosso destino final, no seio do Pai, na terra prometida, é o Ressuscitado, o Vivo para sempre. Nós nos encontramos no mar da vida (lugar também de tormentas). Importa que enquanto estivermos peregrinando nesta terra tenhamos sempre o encontro marcado com o Senhor, nas margens do mar e da praia. “Pés no chão, olhar para o alto”. Não nos desesperemos na noite, pois a manhã, o alvorecer, o raiar do sol, chega e as trevas passam. Não nos percamos no mar da vida, pois temos a capacidade de chegar até a praia. E não esqueçamos que o motivo maior de nossa peregrinação é pescar os irmãos e levá-los à terra, à salvação. A infecundidade é vencida, a vida vence a morte, o dia vence as trevas: uma multidão de peixes é resgatada. Todo este sucesso acontece porque, no raiar do sol, Jesus, a Luz do mundo, se manifesta em nossas vidas como o Ressuscitado em terra firme, símbolo da terra prometida, da casa do Pai.
“Lançai as redes”. Obedecer significa dar ouvidos a uma voz. Eu dou ouvidos a uma voz quando eu não fico fossilizado no meu jeito e nos meus caprichos. Eu corro perigo de ser enganado pelos meus próprios fantasmas, “pré-juízos”, maneiras de ver e julgar. Dar ouvidos à Palavra (“Lançai as redes”) me faz extraordinariamente fecundo o meu ministério e minha vida, assim como a minha aproximação aos irmãos: meus encontros se tornam produtivos. Obedecer à Palavra nos faz de verdade filhos de Deus e faz possível a libertação da morte de tantos irmãos (Rede cheia de cento e cinquenta e três peixes grandes).
No Evangelho de hoje o mandamento a ser obedecido é bem preciso: “Lançai a rede do lado direito”. É o mandamento do Senhor: “Eu vos dou um novo mandamento: amai-vos uns aos outros” (Jo 13, 34). É permanecendo e obedecendo a este mandamento que traremos felicidade e sentido de vida em nossas famílias e comunidades (“Se alguém permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto” – Jo 15, 5).
“7.Então, aquele discípulo a quem Jesus amava, disse a Pedro: ‘É o Senhor!’. Quando Simão Pedro ouviu dizer que era o Senhor, cingiu-se com a túnica (porque estava nu) e lançou-se às águas”. Num certo momento, Pedro se veste, põe a roupa de baixo e se atira ao mar. Jesus, quando quis realizar o serviço do “lava-pés”, pôs uma roupa (o avental). Em João 21, 18, Jesus anuncia que Pedro será vestido por outro (dará sua vida, será descentrado de si mesmo) e, assim, seguirá ao Mestre. Não esqueçamos que Jesus deixou uma veste (seu manto) aos pés da cruz. Veste, manto, que representa sua vida de dedicação, serviço e salvação para todos os pecadores. Uma veste que será usada pelos inimigos, pelos seus algozes e traidores (inclusive Pedro): se servirão da vida salvadora de Jesus. Em resumo, São Pedro se lança ao mar vestido: o amor de Cristo se torna veste para Pedro. Bastou a Pedro saber que o Senhor estava por perto, sentiu-se amado, revestido por Cristo, e lançou-se ao mar. E, revestido por este amor, afoga nos abismos do mar toda a sua culpa e fracassos para ressurgir como homem novo. Batismo espiritual.
- “8.Os outros discípulos vieram na barca, arrastando a rede dos peixes (pois não estavam longe da terra, senão cerca de duzentos côvados)”. Uma só rede, uma só barca. A Igreja é a comunidade na qual a comunhão deve imperar através da diversidade de seus membros. Não somos uma seita (feita de homologação), mas uma comunidade marcada pela liberdade de cada um que é livre para amar, livre para fazer o bem e criar comunhão.
- “9.Ao saltarem em terra, viram umas brasas preparadas e um peixe em cima delas, e pão. 10.Disse-lhes Jesus: ‘Trazei aqui alguns dos peixes que agora apanhastes’”. O Senhor em sua solidão no alto da Cruz nos preparou a Eucaristia: Ele já dispõe das brasas, do peixe e do pão. Ao mesmo tempo, nos solicita a participarmos desta Eucaristia com o nosso serviço aos irmãos (peixes que apanhamos).
- “11.Subiu Simão Pedro e puxou a rede para a terra, cheia de cento e cinquenta e três peixes grandes”. Apesar de serem tantos, a rede não se rompeu. Todo homem, toda mulher, tem chance de participar, de experimentar e viver a salvação no amor. A casa do Pai jamais será plena enquanto faltar um filho. É o sonho de Deus que não nos criou para a perdição: “Depois virá o fim, quando tiver entregado o reino a Deus, ao Pai, e quando houver aniquilado todo o império, e toda a potestade e força. Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés. Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a morte. E, quando todas as coisas lhe estiverem sujeitas, então também o mesmo Filho se sujeitará àquele que todas as coisas lhe sujeitou, para que Deus seja tudo em todos” (1Cor 15, 24-27).
- “Subiu Simão Pedro e puxou a rede para a terra, cheia de cento e cinquenta e três peixes grandes”. No passado, Pedro tinha puxado a espada e ferido um soldado. Agora, puxa e arrasta a rede e leva tantos irmãos em direção à terra firme, em direção à vida, ao Senhor, curando-os de todas as feridas e males do mundo. Pedro imita Aquele que disse: “Quando eu for elevado da terra atrairei - puxarei - muitos à mim”. A rede que Pedro puxa e arrasta não se rompe, assim como a túnica d´Aquele não se rasgou, nem seus ossos foram quebrados. Os homens entregues a si mesmos se “rasgam”, se dividem, mas quando fazem parte do “corpo” do Senhor, quando em sua rede, não, não se dividem. Mistério de “comunhão do amor que reina na Igreja de Cristo”.
- “12.Disse-lhes Jesus: ‘Vinde, comei’. Nenhum dos discípulos ousou perguntar-lhe: ‘Quem és tu?’ –, pois bem sabiam que era o Senhor. 13.Jesus aproximou-se, tomou o pão e lhos deu, e do mesmo modo o peixe”.No Evangelho deste domingo, Jesus promove uma refeição em comum, a santa Eucaristia. Em toda Eucaristia fazemos memória da Paixão do Senhor, de sua Paixão – do seu amor - em salvar vidas. A presença real de Cristo é sentida na santa Eucaristia, sua manifestação acontece quando, obedientes à sua Palavra, vivemos para resgatar os irmãos do mal, da morte e do pecado e quando, em comunhão e no Senhor, ceamos juntos, nos alimentamos da presença um do outro. Jesus nos convida a cearmos com comunhão com Ele. É o banquete da nova Aliança sonhado por Jeremias: “... todos me conhecerão, desde o menor até ao maior deles, diz o Senhor; porque lhes perdoarei a sua maldade, e nunca mais me lembrarei dos seus pecados” (31, 34). Aqui não é mais preciso perguntar mais nada ( “... aquele discípulo a quem Jesus amava, disse a Pedro: ‘É o Senhor’”): se tu recebes o dom de Deus e doas aos irmãos, conheces quem é Deus: Deus é amor recebido e doado. E o único lugar de conhecimento de Deus é esta Eucaristia, onde conheço o amor do Senhor para comigo e respondo com o meu amor para com os demais.
- “Tendo eles comido, Jesus perguntou a Simão Pedro: “Simão, filho de João, amas-me mais do que estes?”. Respondeu ele: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”. Disse-lhe Jesus: “Apascenta os meus cordeiros”. 16.Perguntou-lhe outra vez: “Simão, filho de João, amas-me?”. Respondeu-lhe: “Sim, Senhor, tu sabes que te amo”. Disse-lhe Jesus: “Apascenta os meus cordeiros”. 17.Perguntou-lhe pela terceira vez: “Simão, filho de João, amas-me?”. Pedro entristeceu-se porque lhe perguntou pela terceira vez: “Amas-me?” –, e respondeu-lhe: “Senhor, sabes tudo, tu sabes que te amo”. Disse-lhe Jesus: “Apascenta as minhas ovelhas.* 18.Em verdade, em verdade te digo: quando eras mais moço, cingias-te e andavas aonde querias. Mas, quando fores velho, estenderás as tuas mãos, e outro te cingirá e te levará para onde não queres”. 19.Por essas palavras, ele indicava o gênero de morte com que havia de glorificar a Deus. E depois de assim ter falado, acrescentou: “Segue-me!”.
A páscoa de Pedro. Pedro jazia no remorso de ter traído a Jesus, seu Senhor. Jesus confiará o seu rebando a Pedro e desta maneira irá curar São Pedro e Pedro será chamado a amar mais e mais. Pedro viveu certamente tais palavras: “Sou perdoado e amado não porque sou justo, mas porque outro me ama. Eu posso me amar e abrir-me a amar o outro”. Pedro poderá, a partir de então, ser motivo de unidade, poderá apascentar o rebanho do Senhor.
Propriamente falando, Pedro responde a Jesus dizendo: “Sim, Senhor, tu sabes que sou teu amigo”. É que Pedro bem sabia que Jesus lhe amava, tinha dado a vida por ele, e ele, Pedro, tinha traído, não tinha conseguido amar a Jesus. Considerava-se amigo, mas não amava a Jesus ao ponto de dar a vida por Ele. Como amigo, aceitava o amor infinito e gratuito de Jesus para com ele. Exorcizado de toda presunção, viverá de gratidão, de humildade e de piedade diante do Senhor. Foi perdoado, conheceu o amor maior do que o dele, e então pode testemunhar este amor maior levando outros a conhecer a fidelidade extrema de Deus que supera toda traição, todo mal e todo pecado.