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Homilia do IV Domingo da Páscoa - ano A - Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 02/05/2020 - 12:48

IV Domingo da Páscoa (João 10, 1-10)

O Bom Pastor forte e belo ou a irresistível chamada, atração, da Beleza

Azul está tudo ao meu redor, azul até no meu coração/ Permeada estás tu de azul e também de ouro/ Nas mãos uma flor de outros jardins/ Lá tu estavas entre raios de um sorriso/ Um aceno e depois no lusco-fusco sumiste/ De outros se tornou o meu amor de criança/ Cego o coração às coisas desta vida (Vladimir Soloviev).

 Na época de Jesus, na Palestina, a figura do “pastor de ovelhas” se apresentava como modelo de zelo, cuidado e esmero pelas ovelhas a ele confiadas. O pastor de ovelhas vivia para fazer “crescer” as ovelhas, vivia para elas. Era responsável por encontrar alimento e água para as ovelhas. O pastor conhecia os perigos da região (abismos, buracos, barrancos, ladrões e lobos) e tentava proteger as ovelhas para que não viessem a perecer. O pastor quase não dormia, pois os perigos maiores atuavam na noite (ladrões e feras). O pastor expressava sua beleza através de sua bondade e sua força.

- “Em verdade, em verdade vos digo: quem não entra pela porta no aprisco das ovelhas, mas sobe por outra parte, é ladrão e salteador” (v. 1).  Jesus faz referência aos condutores e líderes religiosos da época, os quais sentiam-se "deuses" ao manipularem as mentes e emoções dos fiéis, exercendo o tom ameaçador e de castigo aos que não lhes fossem obedientes. Tais líderes eram considerados, também, como salteadores, enquanto “agrediam” psicologicamente o povo visando obter do povo a submissão.

“Quem me roubou de mim?” é o título de um livro do Padre Fábio de Melo. Pensemos: será que não somos assaltados, vilipendiados em nossa dignidade por alguém ou por um ritmo de vida tão superficial regido unicamente em vistas do ter e do aparecer?

- “Mas quem entra pela porta é o pastor das ovelhas” (v. 2).  “Eis que estou à porta, e bato; se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo” (Ap 3,20). Uma coisa é sofrer violência, outra coisa e receber um amigo. O Pastor bom, belo e forte evoca, fala e solta sua voz provocando nossa liberdade em aceitar ser conduzido por Ele. Não nos ameaça, não nos castiga, só deixa claro que o “ladrão e salteador” está por aí prestes a nos ludibriar. Nossa moralidade nos adverte a não vendermos nossa opção pelo Pastor bom, belo e forte. Por vezes somos imorais, preferimos um líder que nos diga tudo o que temos que pensar, dizer e fazer.

As ovelhas estão num recinto, em um ambiente, sob o domínio de “pastores e guias”. O Evangelho narra que existe uma porta como saída, mas as ovelhas não veem. O bom Pastor vem para mostrar a porta, a saída. A porta é a inteligência, a consciência, a distinção entre o bem e o mal, entre luz e trevas, entre bem e mal. Quantos recintos, ambientes fechados sem nenhuma saída, sem nenhuma porta. Quantos pensamentos, opiniões e juízos errôneos produzem nossa mente! Quantas falas sobre Deus, a vida, a Bíblia, a vida, o amor, o perdão; sobre dízimos e milagres; falas muitas vezes utilizadas em sentidos que mais angustiam do que libertam: mortificam e afligem, impedindo-nos de "voar" em espírito e verdade.

- “A este o porteiro abre, e as ovelhas ouvem a sua voz. Ele chama as ovelhas pelo nome e as tira para fora (mais ou menos com força) a fim e encontrar pastagem” (v. 3). O nosso Deus é o Deus de Alianças, nos pede em “casamento”. Aceitando tal convite amoroso, abrindo a porta e escutando a voz do bom Pastor, o Pastor belo e forte se faz valer, nos incita, nos convoca, nos chama à pastagens, à vida plena, à águas mais profundas, à pescar homens, à realizar obras maiores do que as que ele realizou.... Todo ser humano, cada ser em si carrega o dom de ser capaz, de ser feliz! 

Diz-se que as ovelhas conhecem o próprio pastor pelo odor, pelo cheiro. Por isso, quando uma ovelha se metia a ser fujona, sempre distante do pastor com o perigo de ser perder, cabia ao pastor machucá-la um pouco, pois mancando permanecia mais próxima do pastor, acostumando, assim, ao odor deste. Sejamos pessoas de fé, isto é, nos reveses da vida, vejamos o nosso Pastor bom, belo e forte, cuidando de nós para não nos perdemos, nos colocando mais próximos dele.

- “Conduz as ovelhas à pastagem”. Aqui temos a “pretensão” cristã que aposta e proclama que é possível, sim, a saída da escravidão, do aperto, da angústia, da agonia, da gaiola de todo tipo de opressão, inclusive religiosa, marcada por medo, pelo terror, pela culpa. “Eis o Cordeiro de Deus que tira do pecado do mundo”. Passemos pela porta que é o próprio Senhor e adentremos em sua pessoa, nosso verdadeiro recinto e templo: “Vinde a mim ... e encontrarei um renovar de forças para vossas almas”. A “boa-notícia”, o Evangelho, se faz presente em qualquer situação que se venha a encontrar. No alto da cruz, um falido em vida e prestes a morrer, ouviu o Evangelho: “Hoje estarás comigo no paraíso”.

- “Depois de conduzir todas as suas ovelhas para fora (com força ou provocando uma situação para que isso aconteça – lembre-se da ovelha “fujona” ao qual se machuca), vai adiante delas; e as ovelhas seguem-no, pois lhe conhecem a voz” (v. 4).

Importa prestar atenção ao fato de que Jesus não tira as ovelhas de um recinto para levá-las a outro recinto, tal como faz alguém que diz: “Não acredite naquilo, acredite nisto que eu te digo”; “Saia da sua igreja e entre na minha”. Mas, aqui, uma voz é conhecida ou reconhecida. A voz do bom Pastor acorda e desperta a voz que quer despertar dentro de nós. É como quando aparece em sua vida uma pessoa distinta, diferenciada que emana verdade, beleza, transparência, lealdade, plenitude, fé, esperança, paz. E tal pessoa desperta isso em você e, de repente, você se vê capaz também de beleza, lealdade, transparência, perdão, fé e plenitude.  Mas a tentação é grande. Por vezes as pessoas preferem um guru – mesmo desonesto -, um líder forte que diga o que se deva ou não fazer....

- “Mas não seguem o estranho; antes fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos” (v. 5). Por mais que resistamos a acreditar e a perceber, existem, sim, estranhos, líderes religiosos, formadores de opinião, “mass media” e outros que são lobos em pele de ovelhas e que provocam somente destruição. Tomam bens, defraudam, abusam, mentem, fingem, confundem, criam dependência....

- “Jesus tornou a dizer-lhes: ‘Em verdade, em verdade vos digo: eu sou a porta das ovelhas. Todos quantos vieram antes de mim foram ladrões e salteadores, mas as ovelhas não os ouviram’” (vv. 7-8). Alguém disse que toda pessoa precisa de uma ilusão para viver ou sobreviver. Aqui temos o motivo porque os sedutores de corações e os ladrões e salteadores de almas, que vendem ilusões, fazem a festa. No entanto, Jesus acredita, sim, que a voz da liberdade e verdade será sempre esperada, pois o coração humano só descansa quando encontra o Caminho, a Verdade e a Vida; só descansa quando encontra uma “recepção maior”, Deus, também chamado “Amor”.

- “Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim será salvo; tanto entrará como sairá e encontrará pastagem” (v. 9). “Entrar, sair e encontrar pastagem”: com Jesus se sai dos recintos fechados, da angústia, do aperto e da agonia, pois horizontes são abertos. O futuro aparece. Você se torna livre para começar e recomeçar. Encontrar pastagem: em Jesus Cristo encontramos pastagem, um amor-misericórdia, liberdade, uma força que nos alimenta e nutre e não nos diminui. Encontrar pastagem: Deus faz algo por você, é boa notícia para você, traz amplidão, luz e assim se abandona o caminho estreito e de medo, típico de escravos e oprimidos.

- “O ladrão não vem senão para furtar, matar e destruir. Eu vim para que as ovelhas tenham vida e para que a tenham em abundância” (v. 10). Sabemos que autoridades e líderes motivados por sede de poder, ambições desmedidas e insensibilidade aos sofrimentos que causam, odeiam o bom, belo, forte e verdadeiro Pastor. De fato, Jesus vai na contramão de atitudes tão  perversas: fixa  o olhar no rosto de quem está  diante d'Ele, ama este rosto, a pessoa concreta e, por ela se dedica para que tenha vida, vida em abundância, regozijo, deleito e sentido; a fim de que a pessoa passe a viver de uma vida em florescendo.

Por vezes, nos tornamos nossos piores guias e mantemos tantas “ovelhinhas” oprimidas dentro de nós que esperam ansiosamente por passar pela “porta”: os segredos jamais contados e partilhados, as vergonhas escondidas, as queixas e lamentos não dirigidas a ninguém por medo, as dores e o sofrer abafados, as capacidades e talentos oprimidos e sepultados, os sonhos deixados “pra lá” ..... Jesus é a porta, abramos a porta, passemos pela porta, pisemos em verdes prados...

Que não percamos a nós mesmos! Seremos sempre ovelhas em recinto abocanhadas pelo homem malvado? Você é responsável pelo seu amanhã, pela sua vida, pois você pode escolher! “Se alguém ouvir a minha voz, e abrir a porta, eu entrarei em sua casa, e com ele cearei, e ele comigo”; “Eu sou a porta. Se alguém entrar por mim encontrará pastagem”.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.