Homilia do IV Domingo do Advento - ano A - Frei João Santiago
IV Domingo Advento
(Mateus 1, 18-25)
Deus assumiu nossa carne. Faz-se presente em nossa carne toda vez que em nossa vida real, em nossa história de vida, acolhemos esta carne, esta história de vida que me acontecesse. Em nossa vida real encontra-se a “chance” de encontrar o “Deus conosco”.
- “Eis como nasceu Jesus Cristo: Maria, sua mãe, estava desposada com José. Antes de coabitarem, aconteceu que ela concebeu por virtude do Espírito Santo” (v. 18). José não concebeu Jesus Cristo. Maria recebe o dom de conceber o “Menino Deus”! José termina por acolhê-Lo, recebê-lO de Maria. Como José, nós somos chamados a acolher Deus que já está entre nós ofertado por Maria, pela Igreja. Jesus, Nosso Senhor, O recebemos sempre através da Igreja, dos irmãos na fé que nos antecederam e dos irmãos que estão conosco. Portanto, é aceitando os irmãos e irmãos, é aceitando a Maria e a Igreja, que temos acesso a Jesus que também nasce em nós e para nós.
Maria no relato deste Evangelho aparece como a primeira que recebeu o “Menino Deus” e por isso é imagem da fé da Igreja. Fé, aqui, é aceitar o dom ofertado. José, após Maria, aceitará também o dom mediado justamente por ela e pela carne de Jesus que Maria doou, que a Igreja doa, que o amor de Deus doa.
O Filho de Deus veio ao mundo por obra do Espírito Santo. Coube a Maria acolhê-Lo, dizer “sim”, e apresentar este Filho a José. Maria é modelo de uma fé totalmente aberta a Deus, que encarna o Verbo de Deus. José também é modelo de acolhida daquilo que a Igreja apresenta. Trata-se de “esposar” Maria, a Igreja, a fim de conhecer, conceber e acolher a Jesus. É bem verdade que muitos, desprezando toda mediação da Igreja, querem ter acesso exclusivo a Jesus: esquecem que conhecemos a Jesus porque outros, antes de nós, conheceram a Ele e transmitiram-nO a nós. O Evangelho atesta que Maria, modelo da Igreja, nos apresentou o seu Filho. Em Maria, na Igreja, temos a certeza que conhecemos a Jesus de verdade para além de um “Jesus” qualquer apresentado por qualquer pregador deste mundo.
- “José, seu esposo, que era homem justo e de bem, não querendo difamá-la, resolveu rejeitá-la secretamente” (v. 19).
A pessoa justa julga que só pode receber o que merece, seja devido aos seus esforços, seja devido aos próprios méritos. José, sendo justo, considerou que o Filho de Maria era “grande demais”, era demais para ele e que, portanto, não sendo “produto” dele, não tinha como recebê-lo junto com sua mãe. De fato, o dom de Deus é muito maior do que toda nossa justiça e méritos. Sabemos que São José terminará, depois de ouvir a Palavra do anjo, por receber a Jesus e sua mãe. Isso aconteceu porque a Palavra nos corrige, abre novos horizontes e nos faz superar a mera justiça que nos leva a acolher somente aquilo que seja mérito nosso, que esteja ao nosso alcance e dentro do nosso possível. Como São José, somos chamados a superar uma certa justiça e nos abrir ao dom de Deus que supera todo o nosso mérito e tudo o mais que esteja ao nosso mero alcance. Não permitamos que nosso orgulho nos feche aos grandes planos de Deus ao nosso favor só pelo fato de que tais planos não possam ser obra exclusiva nossa. Ora, as coisas de Deus, acima de tudo, não são produtos ou méritos nossos: são para serem acolhidos....
Lemos no Evangelho que Maria - como virgem e humilde serva - se mostra disposta a receber algo que não se mérita: Deus, o “Menino Deus”. Uma virgem que dá à luz?! Humanamente é impossível. Está para além das próprias “forças”. Mas, como humilde, serva e virgem, Maria acatou um dom maior do que ela, disse “sim ao desejo de Deus que superava as suas possibilidades: eis o sentido de sua virgindade.
- “Enquanto assim pensava, eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos e lhe disse: José, filho de Davi, não temas receber Maria por esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo” (v. 20). Jose pensava, pensava e pensava: indecisão.... A Palavra vem em nosso auxilio e nos tira da angústia que nos deixa indeciso entre aceitar ou não o dom de Deus, entre achar-se digno ou não da grandeza de Deus. A Palavra nos revela que podemos, sim, receber Maria por esposa e receber o filho de Maria e do Espírito Santo. Deus quer ser “Deus conosco” e a Palavra do anjo do Senhor revela que somos dignos de acolhê-lO acolhendo Maria como esposa, acolhendo a Igreja, o Corpo Místico de Cristo, que sempre nos apresenta o “Menino Deus”, o “Deus conosco”.
- “Ela dará à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo de seus pecados” (v. 21). Havia uma promessa: “... diz o Senhor ... lhes perdoarei a sua maldade, e nunca mais me lembrarei dos seus pecados” (Jer 31, 34). Deus vem ao nosso encontro como “Jesus”, como Aquele que nos salva do pecado, da falência de vida, da angústia da morte, da nossa sensação de distanciamento de Deus e dos irmãos. O pecado, de fato, nos diminui, nos deixa mesquinhos, reduzidos, mínimos, pois nos atrofia. Jesus, a Luz que ilumina todo home, é Aquele que vem ao encontro de nossa espera de libertação do pecado que nos aprisiona.
- “Tudo isto aconteceu para que se cumprisse o que o Senhor falou pelo profeta: ‘Eis que uma Virgem conceberá e dará à luz um filho, que se chamará Emanuel’ (Is 7,14), que significa: Deus conosco” (vv. 22-23). Desde sempre o Senhor Deus desejou unir-se e doar-se aos humanos, assim como ser acolhido por estes. Celebrar a solene liturgia do Natal é reviver a beleza do “Emanuel” que nasce de uma virgem; a beleza do “Menino Deus” sendo doado aos humanos; a beleza de um Deus que se faz companhia para todos nós que O acolhemos e que não nos quer solitários. Acolher o “olhar” do próximo é acolher o “Deus conosco” (Não basta ser “Deus comigo”). Que eu possa fazer experiência de Deus enquanto estou com os demais. Que nossas comunidades possam “atravessar” hospitais, cárceres, lares, ruas e abrigos encontrando, assim, o “Deus conosco”.
- “Despertando, José fez como o anjo do Senhor lhe havia mandado e recebeu em sua casa sua esposa” (v. 24). São José pratica a Palavra, obedece ao Anjo e toma Maria como esposa. É importante escutar a Palavra, descobrir o que fazer e, por fim, praticá-la, vivê-la, encarná-la, comprometer-se com ela. E, assim, São José deixa Deus “invadir” e entrar em sua vida enquanto Deus é recebido em sua casa, em sua carne, no seu cotidiano.
- “E, sem que ele a tivesse conhecido, ela deu à luz o seu filho, que recebeu o nome de Jesus” (v. 25). É praticando a Palavra que entramos em comunhão com o Senhor e Ele se faz carne entre nós. Acolhendo Maria, São José acolhe o Salvador, a Palavra se faz carne para ele, torna-se também seu cotidiano.
“... recebeu o nome de Jesus”. Ioshuá, Jesus, significa Javé salva... de nossos inimigos. Daí no tempo de Jesus tantas crianças recebiam tal nome. Havia uma sede de vencer os inimigos. E Jesus acata esta sede direcionando-a para uma verdade maior: quais os maiores inimigos? São pessoas? Não! Desesperança, vícios, taras hereditárias, paixões desmedidas, ódio e indiferença. São estas coisas os verdadeiros inimigos. Tais inimigos desfiguram os filhos de Deus, deixando-os com caras de feras, de bestas, selvagens, trogloditas, impiedosos, arrogantes, briguentos. Os inimigos não são estes ou aqueles, mas estas e aquelas realidades que habitam, infelizmente, o coração de tantos. Nosso Senhor, Ioshuá, vem ajudar-nos a vencer tais inimigos.