Homilia do IX Domingo do Tempo Comum - ano B / Frei João Santiago
IX Dom Comum Marcos 2, 23-28
"Num dia de sábado, o Senhor caminhava pelos campos e seus discípulos, andando, começaram a colher espigas. Os fariseus observaram-lhe: ‘Vede! Por que fazem eles no sábado o que não é permitido?’ Jesus respondeu-lhes: ‘Nunca lestes o que fez Davi, quando se achou em necessidade e teve fome, ele e os seus companheiros? Ele entrou na casa de Deus, sendo Abiatar príncipe dos sacerdotes, e comeu os pães da proposição, dos quais só aos sacerdotes era permitido comer, e os deu aos seus companheiros.’ E dizia-lhes: ‘O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado; e, para dizer tudo, o Filho do homem é senhor também do sábado.’"
- "Num dia de sábado, o Senhor caminhava pelos campos e seus discípulos, andando, começaram a colher espigas”. Que bela cena: caminhavam pelos campos, tão próximo da natureza benfazeja que alimenta o homem.... O “sábado” foi feito para o homem, assim como o repouso, a festa, o saborear a presença em Deus e a plenitude da vida foram feitos para nós. A vida, a natureza, o rosto, a companhia do amigo, o Senhor entre nós... tudo se concedendo à nós, e nós como “reis” sendo servidos pelo bom Deus. Afinal, no dia do batismo, foi dito a cada um de nós: “Tu és sacerdote, profeta e rei”. E o próprio Senhor Jesus nos revelou que o seu Pai nos fará sentar-se à mesa e, passando, nos servirá” (cf. Lc 12, 37).
- Com Jesus -o Senhor do “sábado”, o nosso “noivo”-, a festa já começou. Resta a cada um entender a vida, a realidade, como dom, como uma festa. Que nos sintamos merecedores e amados por Deus (“Nisto está o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou por primeiro e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados” – 1Jo 4, 10). Não sejamos escravos, nem mesmo de nossos pecados, não queiramos forçar o amor de Deus, pois Ele nos ama livremente, e não porque conseguimos “comprar” sua benevolência. A nossa redenção consiste em aceitar a verdade de que o “sábado foi feito para nós”; consiste em aceitar a preferência amorosa de Deus por nós. Tal verdade nos desarma, nos convida a uma rendição, a um viver somente de “ação de graças”, de um “muito obrigado”. E, assim, viveremos em paz com todos (cf. Rm 12,18).
- No tempo de Jesus, o “sábado” tinha se corrompido. Os líderes religiosos usavam o “sábado” para aprisionar os fies num esquema de “pode ou não pode”. Mas, o “sábado” no seu justo valor servia para dizer que o homem não vive só de pão, só de trabalho, mas também de partilha, de solidariedade, de comunhão, de confraternização, combatendo todo egoísmo e avareza. Servia para manter o homem em direção à Deus, em expectativa do Senhor que vem, e não somente viver guerreando neste mundo. Não se fazia tantas coisas em vista do regozijo familiar e divino. O “sábado” tinha sentido, no entanto... Jesus se declara “Senhor do sábado”. Isso significa que a festa ja começou, o “sábado” definitivo já chegou, o esperado das nações já se faz presente.
- Os discípulos comiam, se alimentavam de grãos.... Não esqueçamos que o “Pão do céu” estava bem pertinho (“... o Senhor caminhava pelos campos e seus discípulos, andando, começaram a colher espigas”). O convite maior é que o “Pão do céu”, o próprio Deus, se torne nosso alimento maior, que possamos passar a viver d´Ele: que Ele se torne nossa razão de viver, nosso alimento. Se o “sábado” era o dia do repouso, o dia de saborear e se alegrar pela vida, e como Jesus é o “Senhor do sábado” (e, portanto, mais do que o sábado), então Ele mesmo se torna o nosso sábado.O “sábado”, o Senhor Jesus que se fez carne, foi “feito” no ventre da Virgem Maria para o homem, para alimentá-lo e para se tornar o repouso do homem (“Vinde a mim todos vós que estais cansados e eu vos darei descanso”).
- "O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado”. Que a vida não seja em vão. Toda a criação, todas as pessoas e a minha própria pessoa devem ser consideradas com o um dom. Somente desta maneira não uso nem abuso do outro e nem das coisas. Não sendo proprietário, resta-me “curtir” e deslindar a presença da alegria e do próprio Deus em todas as coisas e na minha própria pessoa.
- Ao criar o homem, Deus o pôs no jardim. Isso! Fomos criados para “desfrutar” da criação e do palpitar divino presente na vida. A Igreja nos ensina a guardar “Domingos e festas de guarda”. Tal mandamento nos impede de cair no engodo que consiste em pensar que valemos pelo que produzimos e que seremos nós a produzirmos a nossa felicidade através unicamente de nossos projetos de produção. Ou seja: o homem tende a querer produzir a própria felicidade esquecendo que as relações humanas que nos ajudam na nossa caminhada, a presença de Deus, a presença do “sentido maior” da vida não as produzimos, mas as acolhemos.
- “Os fariseus observaram-lhe: ‘Vede! Por que fazem eles no sábado o que não é permitido, não é lícito, é ilegal?’”. Ora, a lei dizia “não pode”, e Jesus diz “pode”! Então.... há algo mais importante do que a lei. O que é? É o ser humano. Somos livres e é justo que pratiquemos tudo que nos faça bem, que nos ajude a sermos mais verdadeiros, mais amantes da verdade e do bem. O mal será aquilo que me impede ou dificulta a minha liberdade, liberdade para amar, para ofertar a vida. Não fiquemos presos ao esquema “pode ou não pode”, mas livres da lei, não no sentido da libertinagem de fazer o que “dê na cabeça”, mas no sentido de que colocamos a lei no seu devido lugar: que ela me ajude a ser livre, e livre para conseguir dizer, fazer, ser o melhor de mim; amar e ser amado.