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Homilia do IX Domingo do Tempo Comum - ano B / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 06/06/2018 - 15:59

IX Dom Comum  Marcos 2, 23-28

"Num dia de sábado, o Senhor caminhava pelos campos e seus discípulos, andando, começaram a colher espigas. Os fariseus observaram-lhe: ‘Vede! Por que fazem eles no sábado o que não é permitido?’ Jesus respondeu-lhes: ‘Nunca lestes o que fez Davi, quando se achou em necessidade e teve fome, ele e os seus companheiros? Ele entrou na casa de Deus, sendo Abiatar príncipe dos sacerdotes, e comeu os pães da proposição, dos quais só aos sacerdotes era permitido comer, e os deu aos seus companheiros.’ E dizia-lhes: ‘O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado; e, para dizer tudo, o Filho do homem é senhor também do sábado.’"

- "Num dia de sábado, o Senhor caminhava pelos campos e seus discípulos, andando, começaram a colher espigas”. Que bela cena: caminhavam pelos campos, tão próximo da natureza benfazeja que alimenta o homem....  O “sábado” foi feito para o homem, assim como o repouso, a festa, o saborear a presença em Deus e a plenitude da vida foram feitos para nós. A vida, a natureza, o rosto, a companhia do amigo, o Senhor entre nós... tudo se concedendo à nós, e nós como “reis” sendo servidos pelo bom Deus. Afinal, no dia do batismo, foi dito a cada um de nós: “Tu és sacerdote, profeta e rei”. E o próprio Senhor Jesus nos revelou que o seu Pai nos fará sentar-se à mesa e, passando, nos servirá” (cf. Lc 12, 37).

- Com Jesus -o Senhor do “sábado”, o nosso “noivo”-, a festa já começou. Resta a cada um entender a vida, a realidade, como dom, como uma festa. Que nos sintamos merecedores e amados por Deus (“Nisto está o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou por primeiro e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados” – 1Jo 4, 10). Não sejamos escravos, nem mesmo de nossos pecados, não queiramos forçar o amor de Deus, pois Ele nos ama livremente, e não porque conseguimos “comprar” sua benevolência.  A nossa redenção consiste em aceitar a verdade de que o “sábado foi feito para nós”; consiste em aceitar a preferência amorosa de Deus por nós. Tal verdade nos desarma, nos convida a uma rendição, a um viver somente de “ação de graças”, de um “muito obrigado”. E, assim, viveremos em paz com todos (cf. Rm 12,18).

- No tempo de Jesus, o “sábado” tinha se corrompido. Os líderes religiosos usavam o “sábado” para aprisionar os fies num esquema de “pode ou não pode”. Mas, o “sábado” no seu justo valor servia para dizer que o homem não vive só de pão, só de trabalho, mas também de partilha, de solidariedade, de comunhão, de confraternização, combatendo todo egoísmo e avareza. Servia para manter o homem em direção à Deus, em expectativa do Senhor que vem, e não somente viver guerreando neste mundo. Não se fazia tantas coisas em vista do regozijo familiar e divino. O “sábado” tinha sentido, no entanto... Jesus se declara “Senhor do sábado”. Isso significa que a festa ja começou, o “sábado” definitivo já chegou, o esperado das nações já se faz presente.

- Os discípulos comiam, se alimentavam de grãos.... Não esqueçamos que o “Pão do céu” estava bem pertinho (“... o Senhor caminhava pelos campos e seus discípulos, andando, começaram a colher espigas”). O convite maior é que o “Pão do céu”, o próprio Deus, se torne nosso alimento maior, que possamos passar a viver d´Ele: que Ele se torne nossa razão de viver, nosso alimento. Se o “sábado” era o dia do repouso, o dia de saborear e se alegrar pela vida, e como Jesus é o “Senhor do sábado” (e, portanto, mais do que o sábado), então Ele mesmo se torna o nosso sábado.O “sábado”, o Senhor Jesus que se fez carne, foi “feito” no ventre da Virgem Maria para o homem, para alimentá-lo e para se tornar o repouso do homem (“Vinde a mim todos vós que estais cansados e eu vos darei descanso”).

- "O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado”. Que a vida não seja em vão.  Toda a criação, todas as pessoas e a minha própria pessoa devem ser consideradas com o um dom. Somente desta maneira não uso nem abuso do outro e nem das coisas. Não sendo proprietário, resta-me “curtir” e deslindar a presença da alegria e do próprio Deus em todas as coisas e na minha própria pessoa.

- Ao criar o homem, Deus o pôs no jardim. Isso! Fomos criados para “desfrutar” da criação e do palpitar divino presente na vida. A Igreja nos ensina a guardar “Domingos e festas de guarda”. Tal mandamento nos impede de cair no engodo que consiste em pensar que valemos pelo que produzimos e que seremos nós a produzirmos a nossa felicidade através unicamente de nossos projetos de produção. Ou seja: o homem tende a querer produzir a própria felicidade esquecendo que as relações humanas que nos ajudam na nossa caminhada, a presença de Deus, a presença do “sentido maior” da vida não as produzimos, mas as acolhemos.

- “Os fariseus observaram-lhe: ‘Vede! Por que fazem eles no sábado o que não é permitido, não é lícito, é ilegal?’”. Ora, a lei dizia “não pode”, e Jesus diz “pode”!  Então.... há algo mais importante do que a lei. O que é? É o ser humano. Somos livres e é justo que pratiquemos tudo que nos faça bem, que nos ajude a sermos mais verdadeiros, mais amantes da verdade e do bem. O mal será aquilo que me impede ou dificulta a minha liberdade, liberdade para amar, para ofertar a vida. Não fiquemos presos ao esquema “pode ou não pode”, mas livres da lei, não no sentido da libertinagem de fazer o que “dê na cabeça”, mas no sentido de que colocamos a lei no seu devido lugar: que ela me ajude a ser livre, e livre para conseguir dizer, fazer, ser o melhor de mim; amar e ser amado.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.