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Homilia do V Domingo do Tempo Comum - ano C / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 09/02/2019 - 11:28

V Domingo do Tempo Comum - ano C

 Lucas 5, 1-11

1."Estando Jesus um dia à margem do lago de Genesaré, o povo se comprimia em redor dele para ouvir a Palavra de Deus”. O Evangelho sempre vem ao nosso encontro, sempre é e será significante. Uma boa-notícia é nos dada mais uma vez neste domingo, enquanto celebramos a Ressurreição do Senhor, sua vitória sobre o mal, o pecado e a morte. E nós, também, vivemos sempre em expectativa de uma “Voz”, de uma “Palavra”, que gere vida em nós, que nos dê sentido para o viver, o labutar, o sofrer e o amar. Imaginemos o povo à margem do lago e lembremos do povo de Deus na pior, entre o mar vermelho e o exército do faraó. E se o mar não se abrisse? Mais uma vez o povo de Deus à margem de águas, na esperança que o Mestre Jesus lhes faça vislumbrar uma esperança que dê sentido para o presente, para a vida do dia-a-dia.

2.“Vendo duas barcas estacionadas à beira do lago –, pois os pescadores haviam descido delas para consertar as redes - , 3.subiu a uma das barcas que era de Simão e pediu-lhe que a afastasse um pouco da terra; e sentado, ensinava da barca o povo. 4.Quando acabou de falar, disse a Simão: ‘Faze-te ao largo (águas mais profundas), e lançai as vossas redes para pescar’. 5.Simão respondeu-lhe: ‘Mestre, trabalhamos a noite inteira e nada apanhamos; mas, por causa de tua palavra, lançarei a rede”. Labutar, trabalhar, e nada “conceber”, e não recolher nenhum fruto deixa uma sensação de desânimo, de decepção com nós mesmos e com a vida. O certo é que a verdade de Simão e companheiros ficou patente: fadiga em vão, perda de tempo (perda de anos de vida), nenhum retorno pelos sacrifícios (no trabalho, na família, na vida a dois), sensação tipo “não vamos mais conseguir, perdemos a oportunidade, passou o nosso tempo”. Os dados da realidade podem ser cruéis e desfazer castelos de sonhos. Porém, isso não é tudo. Simão e seus companheiros farão a descoberta de uma “benção” que não conheciam. Ele, Simão Pedro, apostará a vida e esforços obedecendo ao Mestre e ao desafio lançado por este mestre: “Faze-te ao largo (águas mais profundas), e lançai as vossas redes para pescar”.

Os pescadores estavam na praia lavando as redes, “tocando a vida em frente”, e escutando a Jesus que apontava a verdadeira vida e os impulsiona a ousar. Jesus lhes deu viço. E amparados pela Palavra de Jesus avançaram para o desconhecido futuro, saíram do esquema usual, do costumeiro modo de pensar e de fazer, e adentraram na vida real com suas alegrias e tristezas e com sua juventude e enfermidades. Jesus é Deus entre nós, nos puxa para cima, nos fisga para o alto, atiça o nosso desejo de realizar o nosso verdadeiro nome: “Ao vencedor darei o maná escondido e lhe entregarei uma pedra branca, na qual está escrito um nome novo que ninguém conhece, senão aquele que o receber” (Ap 2, 17). Preferimos o maná escondido, uma pedra branca, um nome novo ou viver na margem da vida para sempre?  Jesus com suas palavras nos faz ir lá onde jamais pensaríamos e nos faz viver aquilo que nem mesmo pensávamos existir. “Eu sou a vida”, isto é, “Eu faço viver”, disse Ele. Consideremos a nós mesmos como algo grandioso (porque o somos de fato); não reduzamos nossa vida aos nossos medos ou ao nível de quem, talvez, esteja ao teu lado.

- “... por causa de tua palavra, lançarei a rede” (v. 4). A Palavra de Jesus é acolhida e hospedada, penetra e faz morada no íntimo de Simão Pedro. Pedro não resiste. A Palavra foi obedecida, padecida e acreditada. De homem infecundo, Pedro se torna fecundo. A maravilha da vida, no fundo, não depende só de minha bravura e expertise. Eu posso gerar amor, felicidade e alegria ao mesmo redor; eu posso colaborar para tirar tantos irmãos das trevas das águas do mal quando eu escuto a Palavra, realizo a vontade, o desejo do Senhor. Maria Santíssima será sempre modelo de acolhida da Palavra e testemunha do quanto a Palavra é fecunda ao ponto de nela gerar o Filho de Deus. Tantos esperam por serem concebidos e gerados como filhos de Deus: lancemos as redes, pois a Palavra se cumpre, realiza, pesca, tira-nos das trevas, nos faz nascer para a Luz.

6.“Feito isto, apanharam peixes em tanta quantidade, que a rede se lhes rompia. 7.Acenaram aos companheiros, que estavam na outra barca, para que vies­sem ajudar. Eles vieram e encheram ambas as barcas, de modo que quase iam ao fundo8.Vendo isso, Simão Pedro caiu aos pés de Jesus e exclamou: ‘Afasta-te de mim, Senhor, pois sou um pecado’. 9.É que tanto ele como seus companheiros estavam assombrados por causa da pesca que haviam feito. 10.O mesmo acontecera a Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram seus companheiros. Então, Jesus disse a Simão: ‘Não temas; doravante serás pescador de homens’. 11.E, atracando as barcas à terra, dei­xaram tudo e o seguiram".

Quando São Pedro viu que as redes estavam cheias; quando viu aquela abundância, quando viu que se pode viver plenamente.... ficou com medo. Alguém disse que o ser humano tem medo de ser feliz ou se acha indigno disso. Não teremos aqui o motivo porque tantos insistem em caminhos errados por achar, no fundo, que não é digno de algo melhor?

Pedro se sente em culpa. De fato, perder anos de vida é mesmo um grande prejuízo, é um atentado a si próprio, à majestade divina, ao Senhor da vida. Culpa-se por ter traído a si mesmo, por ter negado sua verdadeira aspiração, por ter esquecido o seu Lar, sua Origem, seu Deus: "Escuta, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças" (Dt 6, 4-5).

Simão Pedro se descobriu “pecador”. Apesar de nossos esforços, nossa dedicação espiritual, apesar dos favores de Deus para conosco, um dia tomamos consciência de que nos encontramos distante do Senhor, e, por isso, podemos sentir baixa estima e uma sensação de não merecimento: “Afasta-te de mim...”. No entanto, Nosso Senhor julga diferentemente. Para Ele o meu pecado se torna o lugar no qual sou pescado, sou perdoado e sou salvo. Simão Pedro seguirá a Jesus. Simão Pedro continuará seguindo a Jesus como um pecador que precisa do Santo Senhor, tal como um sedento caminha deserto adentro precisando sempre de água para não morrer. Simão Pedro fará a experiência benfazeja do perdão, da liberdade e da absolvição. Simão naquele dia teve um grande conhecimento de si (“Eu sou pecador”) e conheceu de perto Aquele que ama incondicionalmente e infinitamente: “A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gal 2, 20).

- “Vendo duas barcas estacionadas à beira do lago ... subiu a uma das barcas que era de Simão ... ensinava da barca o povo”.  A barca e as barcas. A barca é a Igreja onde estamos e juntos fazemos a mesma travessia. Caso um abandone a barca, afunda. No mar da vida temos este porto seguro, a Santa Mãe Igreja na qual o Senhor sentado nos fala. Estando nesta barca é que vencemos as intempéries da vida. A Palavra do Mestre proclamada na barca serve para nos livrar do mal, para pescar o homem do abismo e puxá-lo para fora, gerá-lo para a luz. Sem a Palavra não se sai das trevas, dos abismos do mal.

Jesus senta e fala desde a barca de Pedro. É da barca de Pedro que os irmãos são confirmados e assistidos na travessia e no êxodo da vida. A Igreja é convocada a pescar. Eis um grande desafio, uma grande missão. Não se trata meramente de pastorear. Pastoreia-se quem está fora do mar, e isso é mais ou menos fácil (pastoral de manutenção). Ir ao encontro dos que jazem no mundo sem fé, sem esperança e que não mais acreditam no amor e na fidelidade entre as pessoas nos deixa até mesmo receosos. Encontrar moribundos em desespero mais ou menos velado, visitar os encarcerados e doentes intelectuais exigem um pouco mais de nossas comunidades. Assistir as juventudes em seus dilemas afetivos, em suas questões intelectuais e em suas duvidas acerca do sentido da vida não é tão fácil. Ser Igreja significativa num mundo que se autoproclama suficiente será sempre um desafio. Acolher famílias e casais em dificuldades exige que entremos em alto mar, em águas mais profundas.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.