Homilia do VI Domingo Comum / Frei João Santiago
VI Dom Tempo Comum
Mateus 5, 17-37
Santo Agostinho uma vez se perguntou onde estaria a “Cidade de Deus e do Bem”. Imaginou, primeiramente, que estaria entre nós, e que a
“Cidade dos Homens ou do mal”, estaria fora de nós, entre os pagãos ou coisas assim. Os judeus também assim pensaram. Pensaram que a prática da Lei faria com que tivessem as promessas e que a Lei os profetas bastariam para fazer acontecer o Reino de Deus entre nós: O Messias dominará até os confins da terra. Seus adversários lamberão o pó.
Todos os reis hão de adorá-lo (cf. Salmo 71 ou 72);
Cada Judeu terá 2.480 escravos (Talmud);
O trono de Davi estará firme para sempre (cf.2Samuel 7, 16).
Santo Agostinho, mais tarde e pensando melhor e meditando as Palavras de Jesus, “viu” que a “Cidade de Deus” e a “Cidade dos Homens” duelam dentro de cada coração, dentro de nós.
O Evangelho de hoje nos convida e desafia a construir o Reino para
além das leis. É verdade que precisamos das leis e de boas instituições, mas para que o Bem possa realmente se instaurar, para
nós e para todos, se faz necessário um novo coração (“Jesus manso e
humilde de coração, fazei o nosso coração semelhante ao vosso!”). Caso fiquemos só nas leis e instituições mudaremos mil situações, mas o mal voltará de outras formas.
Diria que Mateus 5, 17-37 (O Evangelho de hoje) nos lança a um projeto de vida, a um projeto de penitência e conversão e nos revela que não basta eu me ater e me justificar porque estou dentro da legalidade, mas que eu faça atenção ao meu mundo interior e minhas intenções e aos apelos dos rostos humanos que a mim se mostram no dia-a-dia.
17. Não julgueis que vim abolir a lei ou os profetas. Não vim para os
abolir, mas sim para levá-los à perfeição. 18. Pois em verdade vos
digo: passará o céu e a terra, antes que desapareça um jota, um traço
da lei. Que Deus e o seu Reino triunfarão Jesus não mostra nenhuma
dúvida, mas, ao mesmo tempo, revela que falta algo na lei e nos
profetas, e Ele veio nos ensinar (levar à perfeição).
20.Digo-vos, pois, se vossa justiça não for maior que a dos escribas e
fariseus, não entrareis no Reino dos céus. A justiça do fariseu é
aquela chamada também de formalismo. Apega-se a uma lei para se
auto-justificar e assim tranquilamente não se é indiferente com as
pessoas de carne e osso com as quais se convive. A outra pessoa não
conta tanto. A justiça do fariseu é perigosa porque a pessoa termina
ficando insensível e com o coração de pedra. Jesus muito combateu tal “justiça”. Ouvindo Mateus 25, 32ss somos chamados a adentrar em outra justiça que salva enquanto Jesus pede atitudes interiores, pede que o coração se torne sensível e de carne deixando de ser indurecido. Aqui justiça é adentrar no rosto do outro.
21. Ouvistes o que foi dito aos antigos: Não matarás, mas quem matar
será castigado pelo juízo do tribunal. 22. Mas eu vos digo: todo aquele que se irar contra seu irmão será castigado pelos juízes. Aquele que disser a seu irmão: Raca (vil, desprezível), será castigado pelo Grande Conselho. Aquele que lhe disser: Louco (excluído), será condenado ao fogo da geena. Todo ser humano, desde a sua concepção no ventre da mãe, é imagem de Deus, tem alta dignidade. Rebaixar, vilipendiar, desprezar, diminuir, humilhar o outro é gravíssimo, pois quem assim pratica está se instalando no lugar do Altíssimo, está vilipendiando a imagem do grande Deus. Podemos nos tranquilizar por não termos tirado a vida física de alguém, mas ao mesmo tempo nos permitimos espancar os pequenos, julgar e sentenciar os outros, baixar a estima alheia, usar e abusar das pessoas, etc. Jesus, aqui, nos dá um grande “puxão de orelhas” enquanto quer nos acordar para tal realidade: a vida pertence a Deus, o outro não está ao meu dispor, o outro não é um Zé-ninguém, mas filho do Altíssimo.
“Você para mim não existe mais”. “Ir para a Geena”. Geena era o lixão de Jerusalém. Tal lixão queimava de dia e noite exalando um odores nalseabundos. Símbolo da perdição. O ensinamento é esse: quando eu elimino alguém eu estou procurando algo para mim. Estou me excluindo da ciranda da vida e aos poucos vou entrando em um estado de falta de vida, de alegria, de felicidade, de fé, de esperança e de caridade. Se o outro por mim é excluído e considerado desprezível, se apercebendo ou não estarei me precipitando em uma Geena de vida.
23.Se estás, portanto, para fazer a tua oferta diante do altar e te
lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti,
24.deixa lá a tua oferta diante do altar e vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; só então vem fazer a tua oferta. Talvez jamais venhamos a entender a revolução dessa passagem de Jesus.
A coisa mais importante e sagrada para um piedoso judeu era fazer a
oferta, o sacrifício no templo. Nada mais era tão importante, nem a
própria vida. Jesus diz que há, sim, outra coisa tão importante quanto
a prática religiosa. Hoje em dia o que seria o importante? Certamente
o mundo econômico e financeiro e os prazeres pessoais. Para você o que seria o mais importante? A paz interior? A segurança? A saúde? Os rendimentos financeiros? Qual a nossa redenção que nos faz viver? No romance “Lolita”, o professor apaixonado pela moça (Lolita) mata o cidadão que tinha levado Lolita da vida dele. E antes de matá-lo diz: “Você roubou minha redenção”! Pois é..... o nosso Salvador e Redentor nos ensina o caminho do encontro com Deus: vai primeiro reconciliar-te com teu irmão. Por vezes não temos nada contra ninguém, mas alguém tem algo contra nós.
A justiça do fariseu diria: “Não é problema meu”. Mas, a justiça cristã diz: de alguma maneira a ciranda da vida está cortada, está faltando alguém (vai primeiro reconciliar-te com teu irmão). São João diz que alguém passou da morte para a vida, entrou no santuário eterno, entrou no mundo divino, no seio da Santíssima Trindade (fez sua oferta no altar do Senhor). Quem? Aquele que ama (1Jo).
25.Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás em caminho com ele, para que não suceda que te entregue ao juiz, e o juiz te entregue ao seu ministro e sejas posto em prisão.
26.Em verdade te digo: dali não sairás antes de teres pago o último centavo. Quando eu elimino alguém (não entro em acordo) eu estou procurando algo para mim. Quando eu não perdoo corro sério perigo de passar a habitar a região do rancor e até do ódio, e, assim, terminar fazendo da própria vida uma prisão asfixiante sem liberdade: a vida é perdida.
27.Ouvistes que foi dito aos antigos: Não cometerás adultério. 28.Eu,
porém, vos digo: todo aquele que lançar um olhar de cobiça para uma
mulher, já adulterou com ela em seu coração. A lei antiga já protegia
a família (o amor do homem, da mulher e dos filhos). A Palavra do
Senhor nos exorta a preservar esse amor e deixar em paz toda mulher
casada, todo homem casado. O homem casado ou não (o mesmo pode valer para a mulher casada ou solteira) é chamado a não cometer adultério, a não trair o amor de família. Por vezes a traição pode significar também a falta de ternura, delicadeza, atenção, insensibilidade, falta de diálogo, etc.
Nosso Senhor pede que elevemos o nível de nossa humanidade não
reduzindo a outra e o outro a um objeto de posse e de cobiça. A outra
pessoa é um mistério, não é objeto de minha cobiça. Não reduzamos a
pessoa a um objeto de obtenção de prazer.
29.Se teu olho direito é para ti causa de queda, arranca-o e lança-o
longe de ti, porque te é preferível perder-se um só dos teus membros,
a que o teu corpo todo seja lançado na geena.
30.E se tua mão direita é para ti causa de queda, corta-a e lança-a
longe de ti, porque te é preferível perder-se um só dos teus membros,
a que o teu corpo inteiro seja atirado na geena. Jesus não está se referindo ao fato de contemplar a beleza de uma mulher, mas da má intenção (olho) e da má ação (mão).
Refere-se ao pensamento obsessivo sobre uma mulher, obsessão essa que obscurece o bem, e que cria desastres e até tragédias. Daí o andamento: “arranca-o, lança-o, corta-a, lança-a”. Ou seja, chega um momento que o cristão, diante do mal, tem que ser violento e decidido.
E se isso não fizer certamente morrerá, se perderá, será reduzido à solidão, pois longe e distante estará de vínculos duradoiros verdadeiros.
Lembro de um senhor casado que preferiu renunciar a um emprego melhor do que ficar longe de sua esposa, pois temia o pior: na distância, trair sua esposa. Esse irmão entendeu muito bem que as circunstâncias tem grande peso em nossas atitudes. Quais são minhas circunstâncias? Com quem partilho minha vida? Quem são minhas companhias? Quais minhas opiniões sobre namoro, casamento, amor e sexo? Onde busco informação e educação sobre atração, apaixonamento? O sexo não é meramente um descarregar, um fazer acontecer meus caprichos, mas é um aliado na construção do amor e da família.
31.Foi também dito: Todo aquele que rejeitar sua mulher, dê-lhe carta
de divórcio.
32.Eu, porém, vos digo: todo aquele que rejeita sua mulher, a faz tornar-se adúltera, a não ser que se trate de matrimônio falso; e todo aquele que desposa uma mulher rejeitada comete um adultério.
A carta de divórcio era só um documento. O drama maior era o repúdio.
Repudiava-se primeiro. Depois davam a carta de divórcio. Inventaram o
repúdio para justificar a dureza de coração. Acima de tudo, de nós, acima de um homem que se une à sua esposa tem o Reino de Deus, o mundo do Pai eterno, e desse Reino nós fazemos parte. Aqui não tem lugar para repúdio, mas só para união. Assim podemos entender porque Jesus não aceitou a lei do repúdio.
O que era o repúdio? Era direito só do homem. Bastava que o homem
escrevesse numa tábua: “Você não é mais minha mulher”. E, assim, a
mulher naquela época ficava exposta ou a prostituição ou a fome. Acontecia de ser mandada embora porque queimou a comida, porque saudou alguém ou porque o homem passava a olhar outra mulher.
Imaginem como vivia uma mulher assim tão temerosa de receber um
repúdio? Vivia disposta a suportar de tudo para não ser mandada
embora. A lei permitia isso.
O “repúdio”: expressão de uma lei farisaíca. Jesus convida a ir mais
além, a superar a formalidade da lei e olhar o humano (a mulher) que
se tem diante. Aqui a palavra de Jesus se mostra explicitamente como
palavra de salvação enquanto luta para aliviar a dor dos menos
favorecidos (no caso, na época, as mulheres).
Obs. Como dinâmica litúrgica se pode ingressar na igreja com as