Homilia do VI Domingo da Páscoa - ano C/Frei João Santiago
O Senhor Jesus não nos abandona, prepara um lugar para nós, nos envia o Consolador, nos torna casa da Santissima Trindade: o Amor mora em nós. O Evangelho deste domingo nos revela que o modo atual de ver a Jesus é aquele do amor. Um coração que se vê amado se torna um coração novo que passa a amar. Quem ama vive da vida de Deus. A paz e a alegria revelam que o amor é real.
VI Domingo da Páscoa (João 14, 23-29)
- “Pergunta-lhe Judas, não o Iscariotes: ‘Senhor, por que razão hás de manifestar-te a nós e não ao mundo?’” (v. 22) Um dia, uma mãe “ralhou” com sua criança, e esta respondeu: “A senhora não me ama de verdade”. Claro que a mãe amava de verdade ao seu filho, mas a criança respondendo daquela forma revela uma verdade: todos nós ansiamos por um amor de verdade, por um amigo fiel, por uma firmeza, verdade e segurança que venham de alguém. Por trás de tal necessidade há o anseio humano em conhecer, deparar-se e ver o Messias que sacia nosso desejo de resgate, de salvação, de presença benfazeja. Nosso Senhor revela aos seus queridos discípulos que o Reino existe, que o Messias se faz presente. O drama é que nem todas as pessoas se permitem de se fazerem encontrar: “Por aquele tempo, Jesus pronunciou estas palavras: ‘Eu te bendigo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos e as revelaste aos pequenos. Sim, Pai, eu te bendigo, porque assim foi do teu agrado. Todas as coisas me foram dadas por meu Pai; ninguém conhece o Filho, senão o Pai, e ninguém conhece o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho quiser revelá-lo. Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve’” (Mt 11, 25-30).
- “Respondeu-lhe Jesus: ‘Se alguém me ama, guardará a minha palavra e meu Pai o amará, e nós viremos a ele e nele faremos nossa morada’” (v. 23). Jesus fala de sua manifestação amorosa, de sua presença, e também da presença e manifestação amorosa do Pai, como vinda ao nosso encontro, como estadia, morada, em nós. E, assim, finalmente o conheceremos, seremos íntimos ao amor do Pai, reconheceremos o Pai, o acharemos, teremos encontrado o nosso grande sonho, nosso desejo maior de conhecer nossa Raiz, Princípio, Origem. Desta maneira viveremos de bem conosco mesmo, nos sentiremos bem em casa própria, na casa do Pai que ama os filhos; e o Pai terá encontrado habitação na casa dos seus filhos, poderá amá-los e nos tornaremos templos de Deus. Para que tudo isso aconteça, importa amar, não desprezar. Importa abraçar a Jesus e sua Palavra, isto é, abraçar o mandamento novo, viver como filhos do Pai, irmãos dos demais: “Dou-vos um novo mandamento: ‘Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros’” (Jo 13, 34). Que Ele, o Senhor Jesus, se torne a nossa vida, o nosso respiro e modelo do nosso proceder, pois quando se ama uma pessoa tal pessoa se torna razão da própria vida (“Se alguém me ama, guardará a minha palavra”). Procuremos, portanto, ser irmãos e Ele virá a ser nosso Pai e nós seremos filhos amados pelo Pai: trata-se de viver da Vida do Eterno já em nosso cotidiano fugaz.
Tantas vezes, diante do sofrimento, especialmente, os homens se perguntam por Deus: “Deus, onde estás?”. Deus se faz presente, se manifesta nos corações amantes de sua Palavra. O drama do mal no mundo passa pelo drama da liberdade do ser humano que pode dá lugar ou não a Deus neste mundo. A pergunta mais séria seria: “Por onde andam os corações que amam a Deus e sua Palavra que nos convidam ao amor?”.
- “Aquele que não me ama não guarda as minhas palavras. A palavra que tendes ouvido não é minha, mas sim do Pai que me enviou” (v. 24). Quem não me ama, isto é, quem se fecha ao amor e não vive a Palavra do Filho, não vive como filho, desconhecendo o Pai e os irmãos. E como se abrir? Só conhecendo e aderindo ao amor crucifixo do Senhor, o amor extremo que livra do medo, que revela o quanto se é amado. Assim sendo, o coração encontra aquilo que deseja e diz “sim, aceito, quero”.
- “Disse-vos essas coisas enquanto estou convosco” (v. 25). Caminhando pela sua Palestina, Jesus Cristo, nosso Salvador, narrava e testemunhava acerca do desejo, do amor e da paixão do nosso Deus por cada homem que vem a este mundo e do desejo de estar conosco. Falava de si mesmo como o Filho que ama o Pai e os irmãos (que somos nós) ao ponto de dar a vida por eles, e falava do Pai que ama tanto os filhos dos homens ao ponto de dar a vida por eles enquanto doa o seu Filho único.
- “Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, irá ensinar-vos todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito” (v. 26). O Espírito Santo, a terceira pessoa da Santíssima Trindade, o Amor reinante entre o Pai e o Filho, exerce o seu “trabalho” entre nós. Ele, o Amor, o Espírito, nos faz entender “direito” todas as coisas e nos faz capazes de fazer tudo que Jesus fez e ensinou. Por obra do Espírito Santo, o dom que Jesus nos fez no Calvário se torna real, presente, no hoje de nossa história. Precisamos do Espírito Santo, pois a vida nos pega sempre de surpresa e exige discernimento, palavras acertadas, decisões, mudanças, etc. Importa “recordar”, trazer no coração as Palavras do Senhor a fim de afrontar tantos desafios com novas respostas. O Espírito Santo nos faz “recordar” através dos seus dons (Ciência, entendimento ou inteligência, sabedoria, conselho, piedade, fortaleza e santo temor de Deus).
Certa feita, um médico viu em sua sala de cirurgia o assassino do seu primo. Ocasião tremenda: salvar ou não a vida do criminoso? Cumprir ou não o juramento que fizera no dia de sua formatura como médico, isto é, o juramento de salvar vidas? Pensou, rezou e decidiu: escolheu observar as palavras de Jesus, zelou, vencendo a tentação, pela verdade que nutre a alma. Lutou para não perder o primeiro amor. Fez a cirurgia! Infelizmente, como vemos na parábola do semeador, tantas vezes as palavras e mandamentos do Senhor são perdidos, e tantos outros bons propósitos e sonhos da juventude são deixados de lado, pois não foram “observados”, tidos como preciosidades. No final, as minhas escolhas: são elas que revelam para que eu vivo e quero viver. Por qual motivo eu quero gastar, consumir e acabar meus dias?
- “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se perturbe o vosso coração, nem se atemorize!” (v. 27). A marca ou presença certa do amor de Deus, da Vida do Eterno em nós, do Espírito Santo, é a paz e a alegria. Inquietude, preocupação desmedida e a tristeza não resistem diante da paz e da alegria do Senhor em nós. Paz e alegria se confundem com o conhecimento do Senhor. A paz e a alegria foram conquistadas ou nasceram da árvore da Cruz, nasceram da vitória sobre a morte, nasceram do amor de Deus por nós, de sua ação em nosso favor. Finalmente se pode sair de todo turbamento, de toda falta de sentido. É bem verdade que em nosso mundo encontramos maldades, ódio, guerras, intrigas, difamações, divisões e injustiças. A “paz” que Jesus nos doou nos capacita a não mais se amedrontar ou se deixar levar ou perder o sono diante de tantas mazelas, pois, afinal, Ele ressuscitou vencendo todo fermento da maldade, e nós também ressuscitamos com Ele.
- “Ouvistes o que eu vos disse: Vou e volto a vós. Se me amardes, certamente haveis de alegrar-vos, que vou para junto do Pai, porque o Pai é maior do que eu” (v. 28). “Vou e volto”: indo assumir a Cruz, o seu amor extremo vem até nós, Ele para sempre ficará conosco. Nosso Senhor convida seus discípulos a ficarem alegres pelo sua ida ao Pai, pois, assim, sua presença se faz mais viva, mais atuante, mais forte e mais real. Em outras palavras, a presença de Jesus entre nós, em nossos dias, é mais viva do que quando ele caminhava pelas ruas de sua terra natal.
- “E disse-vos agora essas coisas, antes que aconteçam, para que creiais quando acontecerem” (v. 29). A Palavra dita nas Sagradas Escrituras e pelo Magistério da Igreja nos preparam. Tantas surpresas acontecem no passar dos anos de nossa vida. Como “encará-las” e entendê-las? Pois é.... É bom escutar sempre o Senhor que diz (“... disse-vos agora essas coisas...”) para que quando as surpresas vierem, para que quando a vida aprontar conosco, não sejamos apanhados despreparados.