Homilia do VI Domingo do Tempo Comum - ano B / Frei João Santiago
VI Dom Comum Marcos 1, 40-45
“40.Aproximou-se dele um leproso, suplicando-lhe de joelhos: "Se queres, podes limpar-me." 41.Jesus compadeceu-se dele, estendeu a mão, tocou-o e lhe disse: "Eu quero, sê curado." 42.E imediatamente desapareceu dele a lepra e foi purificado. ...”
- A morte teve seu primeiro filho: foi a lepra (cf. Jó 18, 13). A lepra era vista como uma terrível punição, um castigo lançado por Deus por causa dos pecados da pessoa leprosa. Por isso todo leproso era considerado um maldito, um cadáver que perambulava nas margens da sociedade. Quando escutava os passos de alguém, devia gritar: "Sou imundo, impuro, sou maldito por Deus, fique longe de mim, não me toques” (Lv 13, 45). O leproso se via como “uma coisa” sem esperança, no sentido que lhe restava somente a morte para pôr fim ao seu desalento. Sentia-se só, sem Deus e sem a convivência familiar e social: vivia às margens da vida, um excluso. O leproso, símbolo do pecador repugnante, arrogante, dissoluto, luxurioso, egoísta, traficante, corrupto e corruptor. O leproso, símbolo de pessoa desprezível, da qual dizemos “não tem jeito”, “sem futuro”.
- O leproso jamais poderia imaginar que houvesse uma esperança. Já pensou tal situação? Situação leprosa, ausência de comunhão, de contato, puro reino e triunfo do egoísmo que mata toda aproximação, que se mata e mata quem se aproxima. No entanto, o Verbo se fez carne e habitou entre nós. Podemos bem imaginar que ele, o leproso, tivesse ouvido falar de Jesus, de suas atitudes, gestos e palavras. De como tivesse dito que o Reino está dentro de cada um, que está entre nós; de como tivesse livrado uma mulher da morte por apedrejamento, de como tivesse defendido as crianças, de como tivesse curado mesmo em dia de sábado (dia no qual se proibia tantas coisas), de como tinha tirado Lázaro do sono da morte. Podemos imaginar o leproso pensando: “Nele eu posso confiar. Vou lá com Ele. Quem sabe não me ajuda”.
- Quem é Jesus? Jesus, vendo o homem leproso, sentiu indignação e compaixão. Vendo o leproso, Jesus sentiu vontade de restituir-lhe a vida, tal como faz as vísceras de uma mãe (trompas e útero) em favor de um novo ser que será gestado e dado à luz. Quem já não ouviu falar de amor incondicional? Não é que Jesus não saiba o que faz o pecador. Ele sabe. Mas o pecado não tem essa força de eliminar o amor que ele sente pelo pecador, pois o amor de Deus não depende de que eu seja bom, tenha méritos, pois é amor incondicional. Quando digo a alguém que eu o amarei se ele fizer isso ou aquilo, estou condicionando o meu amor por esta pessoa. Deus não impõe condições. Nos ama de qualquer jeito. Agora, obviamente, é bem melhor para nós quando correspondemos ao seu amor, quando correspondemos aos seus apelos, às suas palavras e ao amor por nós. Deus nos ama e espera nossa resposta positiva ao seu amor. Caso preferirmos dizer-lhe “não”, Ele continua nos amando, e respeita nossa escolha, pois prefere entrar em comunhão conosco através de nossa adesão e liberdade.
- Ainda sobre a “indignação-compaixão”. O Filho de Maria, Nosso Senhor, não é indiferente, se deixa, se permite sentir a fatiga do viver que o humano sente. Jesus faz seu o nosso desejo de vida plena, cheia de sentido: nosso anseio e desejo de felicidade, de laços bons e amorosos. Cheio de indignação e compaixão pelo leproso sentiu em si o mal que atormentava aquele homem. Porque sentiu o mal, o sofrimento, Ele reage “furiosamente” (indignado) contra o mal que castiga e maltrata o ser humano. Que nós possamos também “furiosamente” reagir contra o mal e não fazer alianças com o pecado e tudo aquilo que faz mal ao ser humano.
- Aos leprosos era proibido o ingresso no Templo. Caso recebesse a “graça” da cura recebiam a permissão de frequentar o Templo. Percebemos claramente que de um lado estava o Santo dos Santos (o Senhor) e do outro lado o leproso. Um distante do outro. No Evangelho de hoje, Jesus faz algo diferente: toca no leproso (o Santo toca no impuro). Jesus nos ensina que Deus vê a necessidade do humano, se aproxima, toca e o purifica. Purificando o leproso, faz com que este homem se sinta digno de estar entre os demais humanos. O que atrai a compaixão de Jesus é a real e verdadeira necessidade do leproso. Vamos rever certas posições? Qual a real necessidade de quem se encontra em “pecado”, “fora da lei”, em situações irregulares, sem as credenciais? Qual “sermão” faço para quem se encontra em situações “leprosas”? Como nos sentimos quando nossas “lepras” são descobertas? Tenhamos cuidado: pode ser que nossa “fala” aterrorize mais do que resgate; mais amedronte e afaste do que convide a uma confiança em superar a “lepra”.
- Se o direito religioso dizia para o leproso não se aproximar de ninguém, qual direito o leproso encontrou para ir ao encontro de Jesus e qual direito alegou Jesus para tocá-lo? Resposta? A necessidade!!! Toco a Deus e Deus me toca na minha lepra. A graça, o perdão, a salvação vem ao encontro do pecador. Podemos nos considerar indignos de sermos encontrados. Considerando-nos, assim, um falido. Talvez haja um lado da minha vida que ninguém conhece e que me separa dos demais e até de Deus. Talvez até separe de mim mesmo. A lepra pode ser também uma parte que não aceitamos em nós: um limite físico ou de caráter, um limite moral, psicológico ou espitual. Mas não esqueçamos: para além de tudo isso “restamos” e permanecemos humanos, pessoas que tem um grande Parceiro, o Senhor e sua “Boa- Notícia” (“Eu quero, fique curado”).
- “Meu Deus!”. O Evangelho de hoje nos mostra que aquilo que o leproso considerava motivo de separação se torna aquilo que faz possível o encontro com Jesus. A realidade nua e crua da lepra deixava escancarado para o leproso que ele era impuro. Por isso não se achava digno. Caso não se desse conta de sua lepra poderia achar-se digno de tantas coisas. Aqui mora um perigo enorme. Não se achando digno ele se joga em busca de uma mão, de uma comunhão, de um olhar, de uma reciprocidade, de um amor que o salve. Jesus realiza isso (“Jesus compadeceu-se dele, estendeu a mão, tocou-o e lhe disse: ‘Eu quero, sê curado’”.). Caso se considerasse não necessitado restaria a sós consigo, cheio de si, casado com o seu próprio “euzinho”. Por isso podemos afirmar que a verdadeira lepra é o ego inflacionado (egoísmo). Todo ego inflacionado é letal, mata asfixiado o proprietário e mata quem dele se aproxima. Se o amor (saída de si) é vida, o egoísmo é morte. Que o corre-corre da vida não nos faça pensar e dizer que isso seja um detalhe!
- Desejo. Ao cego de Betsaida Jesus perguntou: "Queres a cura?" (Jo 5,6), isto é, Jesus perguntava se era disposto a fazer tudo aquilo que é necessário para se curar, se era disposto a aceitar as consequências de uma cura. Quem é curado, muda, pois passa ao serviço, ao amor. Sabendo ou desconfiando dessa verdade, será que queremos ser realmente curados? O leproso do Evangelho de hoje é um homem admirável, pois não se dá por vencido só porque tem uma praga considerada incurável, reconhce que a possui, mas não se conforma, tem forte desejo de vida. Por vezes adulamos o nosso mal, nos resignamos a uma vida medíocre, pela metade. Passamos a não crer, a não enxergar, a endurecer o coração, a ficar na mesma e sem conversão, sem mudança de mente, pensamentos, juízo e atitudes. Aqui não há cura (cf. Jo 12, 40).
- Um dia alguém disse que a Beleza salvará o mundo. Infelizmente, porém, podemos nos nivelar por baixo (baixaria), reduzir-nos e reduzir os outros. São as boas e grandes aspirações que nos estimulam a liberar todos aqueles desejos positivos sobre os quais se costura a vida. Não há tantas escolhas. Ou liberamos o pleno desejo para navegar em alto mar ou viveremos nas margens do rio indo e vindo ao ritmo de nossos temores e mediocridades de estimação. É possível, sim, a cura de qualquer lepra. Importa manter vivo o desejo de comunhão. O convite forte é vencer a morte, superar a distância, sentir-se vivo pleno, em comunhão com a Vida que me toca (“Jesus ... tocou-o”). Amar significa vencer a morte, a solidão. Que o homem não se negue, não vire um produto comercial (“Eu valho se eu posso consumir e comprar”); nem um produto político (“Não penso no bem comum, só no meu”); nem um produto religioso (“Vou a uma igreja para ‘negociar’ com Deus”).
- O encontro, o depósito de si, a entrega de si a este Filho do Homem torna possível a cura da lepra. O leproso sai da solidão, se expõe, e graças à compaixão divina, é bem recebido, acolhido. Que a nossa oração seja ocasião para o desejo de vida vir à tona. Que a oração seja desejo de sair de certas situações e que seja sempre desejo de criar comunhão, intimidade com o Senhor.
- “Jesus ... tocou-o”. Tocou: o encontro não é superficial, não é pela metade, é total, vai até as últimas consequências, não mantém distâncias e reservas, vai até a última gota de sangue. “Tocar” é comunhão real, é oferecer apoio e é “fé-adesão” por parte de quem é tocado. Entrega recíproca! Jesus em tantos momentos parece “louco” por encontros, por toques, por entregas: "E ele respondeu-lhes: "Vamos às aldeias vizinhas, para que eu pregue também lá, pois, para isso é que vim” (Mc 1, 38); “Enquanto isso, os discípulos insistiam com Ele: “Mestre, come!” Mas Ele lhes disse: “Tenho um alimento para comer que vós não conheceis” (Jo 4, 32); “Vinde a mim todos os que estais cansados de carregar suas pesadas cargas, e Eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo suave e aprendei de mim, porque sou amável e humilde de coração, e assim achareis descanso para as vossas almas” (Mt 11, 28-29.