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Homilia do XII Domingo do Tempo Comum - ano A - Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 20/06/2020 - 08:50

XII Domingo do Tempo Comum - ano A (Mateus 10, 26-33)

“O perfeito amor elimina todo medo” (1Jo 4, 18).

- “... quem der testemunho de mim, me reconhecer, me pertencer com sentimentos e ações, diante dos homens, também eu reconhecerei diante de meu Pai que está nos céus. Aquele, porém, que me negar, não me reconhecer, diante dos homens, também eu o negarei diante de meu Pai que está nos céus” (vv. 32-33).  

Não nos esqueçamos da máxima evangélica: reconhecemos e temos a Jesus e ao Pai como importantes e decisivos em nossa vida quando reconhecemos e temos o irmão mais frágil como importante e decisivo em nossa vida (cf. Mt 18,5;25,40.45; Mc 9,35-37). O tremendo juízo de Deus (na verdade a única coisa que ficará dessa nossa história humana nessa terra) está, também, em minhas mãos, na minha responsabilidade: eu traço o meu “amanhã” escolhendo, tomando decisões, usando minha liberdade e livre arbítrio: “Quem acolher o menor a mim acolhe; tive sede e me reconheceste, me deste de beber”. O Senhor não é um juiz injusto, pois só confirma o que eu próprio pratiquei.

Podemos “desconhecê-lo” e traí-lo? Qual o preço de um homem? Por qual motivo, por qual soma de dinheiro, por qual reconhecimento, carreirismo, prazer e coisas semelhantes alguém pode se vender? Alguém diz que cada um tem seu preço. Judas Iscariotes teve o seu. A traição, a negação ao Senhor, pode acontecer também por ilusão, por medo, por covardia, por tristeza, por depressão, por falta de fé, por comodismo, por preguiça espiritual. Nosso Senhor hoje nos fala dessa realidade dramática que é dar testemunho dele ou negá-lo. Ele, o Senhor, se reconhece naquele que não tem medo de cumprir a Palavra. O ser humano teme perder reconhecimento, bens, poder. Mas, o verdadeiro bem nós só teremos na fidelidade a nós mesmos e ao Pai. Não nos vendamos, não nos traiamos!

Para não chegarmos a trair ao nosso Senhor que confirma o nosso desejo mais profundo de amar e ser amado abracemos a nossa condição de filhos do Pai e servidores dos demais (Cf. Mt 25, 34 ss).

- “Não os temais ... nada há de escondido que não venha à luz ... O que vos digo na escuridão, dizei-o às claras. ... quem der testemunho de mim, me reconhecer ...” (vv. 26-27.32).

Uma vez o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso queixou-se ao Papa João Paulo II de certas críticas que recebia dos bispos no Brasil. Quando o Papa Bento XVI veio ao Brasil, o ex-presidente Lula fez questão de lembrar ao Papa sobre a laicidade do Estado. Sempre interpretei tais atitudes como incômodas: os presidentes se sentiam incomodados quando a fé era proclamada e “mexia”. A fé, meus irmãos, tem que se tornar cultura; boas atitudes tem que chacoalhar minha pessoa, a vida de sociedade, a vida comunitária. A fé nos lança no “olho do furacão”. “O Reino dos céus é arrebatado à força e são os violentos que o conquistam”.

Imagine-se em um lugar, situação, contexto. Imagine-se cercado de pessoas. O discípulo de Jesus tem suas convicções que, de repente, não podem ser bem-vindas. “Em meio aos lobos”. Posso buscar refúgio por medo. Posso me omitir por medo. Mas que vida levarei eu com medo? Se os discípulos de Jesus tivessem buscado o refúgio e “escolhido” o medo não estaríamos nós, hoje, “falando” de Jesus. Com medo não dá para viver! Só a confiança no Bem pode nos tirar do atoleiro que é o medo. Tolido pelo medo e sem confiança no Bem o ser humano tem dois destinos: viver paralisado e viver em desespero.

O Ressuscitado fez dos discípulos homens ressuscitados. A potência da vida nova de “ressuscitados” fez com que os discípulos enveredassem por um “Caminho” de Verdade que os levou à Vida. Não mais temendo, eles superaram o egoísmo (“... quem quiser ser meu discipulo tome a sua cruz....); vencendo o tal do “egoísmo” não mais temeram (“O perfeito amor elimina todo medo” - 1Jo 4, 18); oferecendo e liberando perdão criaram um mundo novo ao seu redor; partilhando o que eram e o que tinham, “gastaram” a vida em serviço; sendo honestos se tornaram verdadeiros (“... que o teu ‘sim’ seja ‘sim’ e o ‘não’ seja ‘não’). E, assim, vemos o quanto a fé cristã é um fazer frente à...., é um afrontar, é um ir contra-corrente.

- “... nada há de escondido que não venha à luz, nada de secreto que não se venha a saber” (v. 26).

A vida mesma nos mostrará que o bem, o amor e a verdade que parecem falidos, escondidos e segregados neste mundo se farão valer. Uma boa ação, uma palavra de esperança, por mais escondida que seja, salva vidas, salva o mundo. Um dia daremos conta que o que tantas boas palavras e ações que ficaram no silêncio salvaram o mundo, a vida, de tantas pessoas. Um dia reconheceremos que “aquilo” que nos salvou nessa vida foi uma amizade sincera, um cuidado gratuito. E, assim, o bem triunfará. Triunfará também tudo aquilo que semeamos de bem e veremos o fruto do nosso labor, da nossa entrega e amor. Nosso desejo se realizará.

- “O que vos digo na escuridão, dizei-o às claras” (v. 27).

O que vos é dito ao ouvido, publicai-o de cima dos telhados. Que a nossa Igreja esteja em saída, seja uma luz para tantas situações. Não temamos viver em meio a lobos vorazes e que a Boa-Nova avance em ordem de batalha. Que o Evangelho chegue ao centro do poder, configure nossas leis, nosso projeto de familia, de educação, de identidade sexual, etc.

- “Não temais aqueles que matam o corpo, mas não podem matar a almaTemei antes aquele que pode precipitar a alma e o corpo na Geena” (v. 28). Que a nossa vida coincida com a condição de sermos filhos do Pai e irmãos dos demais. Esta vida de filho e irmão é vida eterna já desde agora, e é a vida que a morte não nos rouba. Que a nossa vida, portanto, não se identifique com o corpo biológico. Quanto ao corpo, sabemos por revelação que teremos um corpo glorioso (cf. Fl 3, 21).

Tenhamos receio de perdermos o sentido da nossa vida, a alma, a vida, o Espírito Santo, a condição de filho e irmão. E que a nossa vida não se resuma no medo de falecer, de passar para a “casa do Pai”.

Conheci uma senhora que era muito atormentada pelo marido usuário de drogas. Ela temia, temia a ela mesma. Temia cair na tentação e feri-lo mortalmente. Há uma força negativa dentro de nós que pode estragar nossa vida. Tal parte nos afasta da alegria de viver e nos faz tirar a alegria dos demais. Por isso Jesus disse: “Se teu olho, se tua mão, se teus pés te levam a pecar, arranca-o, corta-os”. E São Paulo: “Quem me livrará desse corpo de morte. Sinto-me dividido e não faço o bem que quero, e faço o mal que não desejo”. Tomemos cuidado, portanto, com a força negativa que habita em nós e que insiste em nos precipitar na Geena. E para isso, tenhamos o santo temor de Deus, levemos a sério o nosso amor para com Ele, pois Ele, sim, é o Senhor de nossas vidas.

- “Não se vendem dois passarinhos por um asse? No entanto, nenhum cai por terra sem a vontade de vosso Pai. Até os cabelos de vossa cabeça estão todos contados ...” (vv. 29-31).

Os pássaros não eram benquistos, pois estragavam os grãos. Não gozavam de apreço e também não valiam muito no mercado. Aquele que mesmo não sendo “Pai” de pássaros cuida tanto destas aves tão sem valor, quanto mais não cuidará de nós, de quem é Pai!? E um fio de cabelo? Que valor tem? A cada dia tantos caem e nem percebemos. Que valor tem? Até daquilo que julgamos insignificante, o Senhor cuida. Tais palavras de Jesus soam como uma injeção de ânimo para nós que por vezes nos consideramos “pouco” e em baixa-estima. Estamos nas mãos do Pai. Procuremos viver aquela vida que é o amor do Pai.

Na verdade, o nosso limite é o início do Outro e da nossa comunhão com Ele. No princípio e “fim” de nossa vida temos o Pai que nos ama e que amamos. Se vencermos o tal do “egoísmo” não mais temeremos: “O perfeito amor elimina todo medo” (1Jo 4, 18). 

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.