Homilia do XVI Domingo do Tempo Comum - ano A - Frei João Santiago
XVI Domingo do Tempo Comum - ano A
(Mateus 13, 24-43)
- “Jesus propôs-lhes outra parábola: ‘O Reino dos céus é semelhante a um homem que tinha semeado boa semente em seu campo. Na hora, porém, em que os homens repousavam, veio o seu inimigo, semeou joio no meio do trigo e partiu’” (vv. 24-25).
Temos a boa semente e a má semente semeadas no mesmo campo. A malícia, a perfídia e o mal não os encontramos somente nos outros, fora e distante de nós, mas também entre os nossos familiares, irmãos da Igreja, amigos, e, devemos reconhecer, dentro de nós. O mal é um problema porque faz mal, faz sofrer, decepciona, gera lamento, injustiça, revolta e tantos outros males.
Devemos lembrar, no entanto, que a primeira semente lançada era boa semente. Isso é importante! Significa que o princípio é bom, a nossa origem é boa; o bem é maior do que o mal. Não devemos nos resignar com o mal achando que o bem e o mal têm a mesma força, pois no princípio o mal não havia. Todos nós “reclamamos” do mal e do sofrimento porque “no fundo” eles são estranhos a nós, não estavam na origem quando Deus criou tudo que há e disse: “Tudo é muito bom”. Nossa batalha contra o mal deve ser travada, pois o mal traz sofrimento e pode destruir o bem caso não seja combatido de forma certeira.
O Evangelho afirma que na hora do repouso o inimigo semeou o joio no meio do trigo. O descuido, a desatenção, o “vacilo’ e a falta de vigilância são oportunidades para o mal acampar entre nós. Tantos equívocos, pressa, falta de luz e de uma palavra que ilumine e esclareça, ignorância e “burradas” são outras tantas oportunidades para o mal acontecer.
Para que tanto joio não seja semeado, urge focar no Pai, manter-se vigilante em oração, fazer bom uso da liberdade e aderir à Palavra. E, assim, a boa e verdadeira semente que gera esperança, confiança e amor germinará em nós e não será destruída pela presença do joio. Do mesmo modo, a semente má e mentirosa que gera desconfiança, desespero e egoísmo não frutificará em nós.
- “O trigo cresceu e deu fruto, mas apareceu também o joio” (v. 26).
O Evangelho nos narra que o joio não consegue se esconder por muito tempo. Depois de um tempo fica evidente e claro que nem tudo era trigo, que nem tudo era bom, que havia também o joio (o mal). É muito típico do mal se camuflar em bem. Há lobos em pele de ovelhas. É típico do mal o disfarce. Uma mentira sempre se parece com uma verdade. As fake news, as falsas notícias, sempre se parecem com as verdadeiras notícias a fim de confundir e levar a pensar que sejam verdadeiras. Mas, chega um momento que a luz brilha nas trevas e o mal aparece.
Infelizmente, quase sempre só depois do estrago feito é que nos apercebemos do mal e da malícia que nos enganaram por falta de nossa atenção e vigilância. No início, o mal parece mesmo bonito, bom, interessante, justo e desejável, pois, do contrário, ninguém o desejaria e o faria. O mal será percebido como maléfico quando não cumprir o que prometeu. Quem não lembra de Adão e Eva diante do fruto bom, atraente, belo, desejável e que prometia conhecimento sobre o bem e o mal e poderes divinos? No fim, só decepção: ficaram nus, envergonhados, fugitivos e amedrontados (cf. Gen 3).
- “Os servidores do pai de família vieram e disseram-lhe: ‘Senhor, não semeaste bom trigo em teu campo? Donde vem, pois, o joio?’” (v. 27).
Mais cedo ou mais tarde a pergunta sobre a origem do mal surge em cada um de nós: “Por quê, meu Deus?”; “Até quando, Senhor?”. Uns acham que Deus fez este mundo mal feito; outros, que permitir o mal não tem sentido; alguns acham ainda que bem e mal são dois princípios iguais e que a vida “é assim mesmo e acabou”. Até Adão culpou a Deus pelo mal no mundo: “Foi a mulher que tu me deste por companheira que me deu do fruto da árvore, e eu comi”.
O Evangelho de hoje não responde tanto sobre a origem do mal, mas nos ensina a agir, a fazer algo, a fim da semente do mal não estragar a vida, a família, a comunidade, nossas relações, a sociedade humana.
- “Disse-lhes ele: ‘Foi um inimigo que fez isto!’ Replicaram-lhe: ‘Queres que vamos e o arranquemos?’ ‘Não’, disse ele; ‘arrancando o joio, arriscais a tirar também o trigo’” (vv. 28-29).
Como lidar com a presença do mal, das injustiças, dos enganos, das mentiras, das traições?
Podemos nos sentir indignados e isso é coisa boa; sinal de que sentimos atração pelo bem. O Senhor nos ensina a não se deixar levar pelo impulso de querer “logo-logo” eliminar o mal da terra. O mal se faz presente em nós e ao nosso redor, entre nossos amigos e inimigos. A arma de Deus para lutar contra o mal será sempre o bem. Usar de agressão contra nós (depreciar-se, machucar-se, baixa-estima) ou contra outros justificando que se trata de eliminar o mal, é multiplicar o mal na terra, é perder a chance de fazer o bem acontecer. Há quem apregoe que se tirássemos a liberdade não haveria o mal, pois seríamos como um animal que segue direitinho o instinto ou o adestramento. Na verdade, haveria o pior dos males: a perda da liberdade, que é nossa semelhança com Deus e nosso estatuto de pessoas humanas.
Os discípulos de Jesus ansiavam por uma justificativa para eliminar os ditos malvados (“Queres que vamos e o arranquemos?”). Todos nós tendemos a identificar uns males e uns malvados com a finalidade de justificar nossa ação de eliminar tais males e tais malvados.
O Senhor diz “Não” diante da tentativa de arrancar o joio e diz “Sim” ao combate contra o mal, usando a força do bem. Querer combater o mal arrancando e jogando fora o joio, termina-se por não permitir que a boa semente germine, que o bem não seja vivido, que o mal se multiplique (pagar mal com o mal) e que o amor, a misericórdia e o perdão sejam banidos da face da terra. Quando somos implacáveis terminamos não deixando a semente do bem que há em nós germinar, e eliminamos desta terra a clemência, a paciência, a longanimidade, Deus e o divino que está em nós. Em outras palavras, instauramos o “inferno” em nosso meio.
O sentido da parábola que estamos meditando é que o bem jamais será impedido pelo mal, seja qual dor tenha o mal provocado. O mal não é necessariamente um obstáculo ao bem, pois depende de como reagimos ou o consideramos. Quando alguém me engana, e eu reajo bem, o bem se faz valer, vence e cresce entre nós. Onde há perdão, o amor tem mais chance de nascer (cf. Lc 7, 47). Onde há reação de indiferença, descaso, agressão ou violência, o mal se multiplica, o joio toma conta e o trigo se perde.
- “Deixai-os crescer juntos até a colheita. No tempo da colheita, direi aos ceifadores: ‘arrancai primeiro o joio e atai-o em feixes para o queimar. Recolhei depois o trigo no meu celeiro’” (v. 30).
Deus é Santo, Santo, Santo. Diante dele, nada de joio. Deixemos que Ele julgue.
“Se aquilo que alguém construiu não resistir ao fogo no dia do juízo, claro que sofrerá; contudo, será salvo como alguém que escapa através do fogo” (1 Cor 3,15): o fogo amoroso pode transformar aquele que foi joio.
Sejamos trigo! Santa Maria Goretti (aos 11 anos de idade) perdoou e tolerou até o fim de sua vida o seu agressor Alessandro Serenelli: ela, preocupada com a possível perdição dele, só faleceu, descansou, depois que ele pediu perdão ao Senhor por tê-la esfaqueada 11 vezes. Ser trigo de Deus é imitá-Lo em seu Filho Jesus que tolerou-nos e nos tolera sempre.
Sejamos trigo! Quando o mal aparecer, não percamos a oportunidade de fazer germinar o bem. “Tudo concorre para o bem” (Rm 8, 28).