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Homilia do XVI Domingo do Tempo Comum - ano A - Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 18/07/2020 - 16:15

XVI Domingo do Tempo Comum - ano A

(Mateus 13, 24-43)

- “Jesus propôs-lhes outra parábola: ‘O Reino dos céus é semelhante a um homem que tinha semeado boa semente em seu campo. Na hora, porém, em que os homens repousavam, veio o seu inimigo, semeou joio no meio do trigo e partiu’” (vv. 24-25).

Temos a boa semente e a má semente semeadas no mesmo campo. A malícia, a perfídia e o mal não os encontramos somente nos outros, fora e distante de nós, mas também entre os nossos familiares, irmãos da Igreja, amigos, e, devemos reconhecer, dentro de nós. O mal é um problema porque faz mal, faz sofrer, decepciona, gera lamento, injustiça, revolta e tantos outros males.

Devemos lembrar, no entanto, que a primeira semente lançada era boa semente. Isso é importante! Significa que o princípio é bom, a nossa origem é boa; o bem é maior do que o mal. Não devemos nos resignar com o mal achando que o bem e o mal têm a mesma força, pois no princípio o mal não havia. Todos nós “reclamamos” do mal e do sofrimento porque “no fundo” eles são estranhos a nós, não estavam na origem quando Deus criou tudo que há e disse: “Tudo é muito bom”. Nossa batalha contra o mal deve ser travada, pois o mal traz sofrimento e pode destruir o bem caso não seja combatido de forma certeira.  

O Evangelho afirma que na hora do repouso o inimigo semeou o joio no meio do trigo. O descuido, a desatenção, o “vacilo’ e a falta de vigilância são oportunidades para o mal acampar entre nós. Tantos equívocos, pressa, falta de luz e de uma palavra que ilumine e esclareça, ignorância e “burradas” são outras tantas oportunidades para o mal acontecer.

Para que tanto joio não seja semeado, urge focar no Pai, manter-se vigilante em oração, fazer bom uso da liberdade e aderir à Palavra. E, assim, a boa e verdadeira semente que gera esperança, confiança e amor germinará em nós e não será destruída pela presença do joio. Do mesmo modo, a semente má e mentirosa que gera desconfiança, desespero e egoísmo não frutificará em nós.

- “O trigo cresceu e deu fruto, mas apareceu também o joio” (v. 26).

O Evangelho nos narra que o joio não consegue se esconder por muito tempo. Depois de um tempo fica evidente e claro que nem tudo era trigo, que nem tudo era bom, que havia também o joio (o mal). É muito típico do mal se camuflar em bem. Há lobos em pele de ovelhas. É típico do mal o disfarce. Uma mentira sempre se parece com uma verdade. As fake news, as falsas notícias, sempre se parecem com as verdadeiras notícias a fim de confundir e levar a pensar que sejam verdadeiras. Mas, chega um momento que a luz brilha nas trevas e o mal aparece.

Infelizmente, quase sempre só depois do estrago feito é que nos apercebemos do mal e da malícia que nos enganaram por falta de nossa atenção e vigilância. No início, o mal parece mesmo bonito, bom, interessante, justo e desejável, pois, do contrário, ninguém o desejaria e o faria. O mal será percebido como maléfico quando não cumprir o que prometeu. Quem não lembra de Adão e Eva diante do fruto bom, atraente, belo, desejável e que prometia conhecimento sobre o bem e o mal e poderes divinos? No fim, só decepção: ficaram nus, envergonhados, fugitivos e amedrontados (cf. Gen 3).

- “Os servidores do pai de família vieram e disseram-lhe: ‘Senhor, não semeaste bom trigo em teu campo? Donde vem, pois, o joio?’” (v. 27).

Mais cedo ou mais tarde a pergunta sobre a origem do mal surge em cada um de nós: “Por quê, meu Deus?”; “Até quando, Senhor?”.  Uns acham que Deus fez este mundo mal feito; outros, que permitir o mal não tem sentido; alguns acham ainda que bem e mal são dois princípios iguais e que a vida “é assim mesmo e acabou”. Até Adão culpou a Deus pelo mal no mundo: “Foi a mulher que tu me deste por companheira que me deu do fruto da árvore, e eu comi”.

O Evangelho de hoje não responde tanto sobre a origem do mal, mas nos ensina a agir, a fazer algo, a fim da semente do mal não estragar a vida, a família, a comunidade, nossas relações, a sociedade humana.

“Disse-lhes ele: ‘Foi um inimigo que fez isto!’ Replicaram-lhe: ‘Queres que vamos e o arranquemos?’ ‘Não’, disse ele; ‘arrancando o joio, arriscais a tirar também o trigo’” (vv. 28-29).

Como lidar com a presença do mal, das injustiças, dos enganos, das mentiras, das traições?

Podemos nos sentir indignados e isso é coisa boa; sinal de que sentimos atração pelo bem. O Senhor nos ensina a não se deixar levar pelo impulso de querer “logo-logo” eliminar o mal da terra. O mal se faz presente em nós e ao nosso redor, entre nossos amigos e inimigos. A arma de Deus para lutar contra o mal será sempre o bem. Usar de agressão contra nós (depreciar-se, machucar-se, baixa-estima) ou contra outros justificando que se trata de eliminar o mal, é multiplicar o mal na terra, é perder a chance de fazer o bem acontecer. Há quem apregoe que se tirássemos a liberdade não haveria o mal, pois seríamos como um animal que segue direitinho o instinto ou o adestramento. Na verdade, haveria o pior dos males: a perda da liberdade, que é nossa semelhança com Deus e nosso estatuto de pessoas humanas.

Os discípulos de Jesus ansiavam por uma justificativa para eliminar os ditos malvados (“Queres que vamos e o arranquemos?”). Todos nós tendemos a identificar uns males e uns malvados com a finalidade de justificar nossa ação de eliminar tais males e tais malvados.

O Senhor diz “Não” diante da tentativa de arrancar o joio e diz “Sim” ao combate contra o mal, usando a força do bem. Querer combater o mal arrancando e jogando fora o joio, termina-se por não permitir que a boa semente germine, que o bem não seja vivido, que o mal se multiplique (pagar mal com o mal) e que o amor, a misericórdia e o perdão sejam banidos da face da terra. Quando somos implacáveis terminamos não deixando a semente do bem que há em nós germinar, e eliminamos desta terra a clemência, a paciência, a longanimidade, Deus e o divino que está em nós. Em outras palavras, instauramos o “inferno” em nosso meio.

O sentido da parábola que estamos meditando é que o bem jamais será impedido pelo mal, seja qual dor tenha o mal provocado. O mal não é necessariamente um obstáculo ao bem, pois depende de como reagimos ou o consideramos. Quando alguém me engana, e eu reajo bem, o bem se faz valer, vence e cresce entre nós. Onde há perdão, o amor tem mais chance de nascer (cf. Lc 7, 47). Onde há reação de indiferença, descaso, agressão ou violência, o mal se multiplica, o joio toma conta e o trigo se perde.

- “Deixai-os crescer juntos até a colheita. No tempo da colheita, direi aos ceifadores: ‘arrancai primeiro o joio e atai-o em feixes para o queimar. Recolhei depois o trigo no meu celeiro’” (v. 30).  

Deus é Santo, Santo, Santo. Diante dele, nada de joio. Deixemos que Ele julgue.

Se aquilo que alguém construiu não resistir ao fogo no dia do juízo, claro que sofrerá; contudo, será salvo como alguém que escapa através do fogo” (1 Cor 3,15): o fogo amoroso pode transformar aquele que foi joio.

Sejamos trigo! Santa Maria Goretti (aos 11 anos de idade) perdoou e tolerou até o fim de sua vida o seu agressor Alessandro Serenelli: ela, preocupada com a possível perdição dele, só faleceu, descansou, depois que ele pediu perdão ao Senhor por tê-la esfaqueada 11 vezes.  Ser trigo de Deus é imitá-Lo em seu Filho Jesus que tolerou-nos e nos tolera sempre.

Sejamos trigo! Quando o mal aparecer, não percamos a oportunidade de fazer germinar o bem.  “Tudo concorre para o bem” (Rm 8, 28).

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.