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Homilia do XVII Domingo do Tempo Comum - ano A - Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 25/07/2020 - 09:51

XVII Domingo do Tempo Comum - ano A -

(Mateus 13, 44-52)

- “O Reino dos céus é também semelhante a um tesouro escondido num campo. Um homem o encontra, mas o esconde de novo. E, cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem para comprar aquele campo” (v. 44).

Há um tesouro, uma felicidade, que não vejo, que não percebo, que não me dou conta, está escondido e quer ser achado. Tal tesouro, tal felicidade, é o sonho ou desejo de todo ser humano que vem a este mundo. É um tesouro por descobrir: não pode para sempre ficar escondido. Seria uma grande pena não encontrar o tesouro, a felicidade. O tesouro, a felicidade, tem a ver com a experiência, com o dar-se conta, que se é produtivo, fecundo e capaz de sentir em si que a vida rende e está em constante ida para a frente, para coisas boas, sadias e belas. Ser feliz, ter encontrado o tesouro, é viver em estado de contentamento, “é um não contentar-se de contente”, pois a felicidade é sempre “mais e mais”.

Na Bíblia, tesouro, felicidade, tem forte conexão com a sabedoria, com o experimentar novos sabores que dão gosto para com a vida e tem a ver também com aquele conhecimento que nos abre nossas portas, que não nos deixa mais o mesmo, pois tal conhecimento provoca em nós um novo nascimento, nos tira o véu de tantas coisas, esclarece tantos supostos absurdos e escuridões. E, assim, é que a sabedoria é chamada a se tornar norma de nossa vida, isto é, a pautar o nosso cotidiano e suas escolhas a fim de gerar contentamento, felicidade. Por exemplo, a sabedoria, este tesouro maior, nos faz capaz de enxergar, nas dificuldades, uma semente que cresce; possibilita-nos usar a paciência e a misericórdia mesmo quando uma outra pessoa ainda não veja aquele bem que nós já vemos. Devemos dizer também que a “sabedoria” de Deus é o próprio Filho de Deus que se encarnou entre nós no seio da Virgem Maria. Descobrindo este tesouro, a Sabedoria encarnada, temos descoberto aquele amor incondicional – Ele me ama - que não permite que sejamos esmagados por qualquer mal que apareça ao nosso redor. Acolhamos o tesouro encontrado e sejamos felizes (cf. Jo 13, 17).

A parábola nos diz que o tesouro foi encontrado no campo. O Pai sempre trabalha (cf. Jo 5, 17), semeia seu tesouro, que é a sua Palavra e sua sabedoria, em todo ser humano, que é o campo de Deus, campo do atuar de Deus. E neste versículo (v. 44: “...Um homem o encontra...”), o homem encontra o tesouro de modo ocasional e gratuito no campo da vida, enquanto vive e trabalha. Podemos dizer também que encontramos o tesouro incorruptível em nosso íntimo (cf. 1 Pd 3, 3-4), pois no íntimo Cristo se faz presente em nós. Cristo, nosso tesouro, fazendo-se nosso íntimo, nos torna filhos de Deus e, portanto, semelhantes a Ele no amor e na misericórdia. Vivendo no amor e na misericórdia teremos alcançado a “sabedoria da vida”, o tesouro maior, o contentamento, a felicidade.

- “... E, cheio de alegria, vai, vende tudo o que tem para comprar aquele campo” (v. 44). Decididamente, só “acamparemos” ou teremos o tesouro em nós quando tomarmos a decisão de investir tudo para comprar o terreno no qual se encontra o tesouro. Saber é uma coisa, querer e decidir é outra. O convite é para que vendamos, façamos todos os negócios do mundo e organizemos nossa vida a fim de não esquecer e não deixar de adquirir o tesouro. O convite é para que o tesouro descoberto se torne norma de vida, se torne cotidiano. O foco da vida do cristão, portanto, é passar a ter posse do tesouro, é descobrir a fidelidade (outra palavra para “amor”) de Deus para com ele (me amou e por mim se entregou) e descobrir que tem um coração que sente compaixão e é fiel.  

- “O Reino dos céus é ainda semelhante a um negociante que procura pérolas preciosas. Encontrando uma de grande valor, vai, vende tudo o que possui e a compra” (vv. 45-46).

Somos seres em procura e acreditamos que a vida não seja uma “paixão inútil”(Sartre), mas uma “chance” de encontrar “a pérola de grande valor”. Somos errantes mercantes porque habita dentro de nós um desejo, um apelo, uma urgência, um pedido de algo mais (“Porém, se esperamos por algo que ainda não podemos ver, com paciência o aguardamos ... o Espírito nos auxilia ... intercede por nós com gemidos impossíveis de serem expressos” (Rm 8, 25-26). Partimos em busca de “pérolas” porque fomos criados a imagem e semelhança da Luz, do Bom, do Belo, de Deus, e padecemos do desejo de encontrar o Criador. E, assim, ao encontrarmos meramente coisas, situações e pessoas dizemos conscientes ou não: “ainda não é o que buscamos”. No entanto, pode acontecer o pior: ficar procurando água em cisterna rachada (cf. Jer2, 13), desistir do “caminho”, idolatrar pessoas (cf. Jer 17, 5).

O discípulo de Jesus mantém acesa a chama por encontrar “pérolas preciosas”; e, assim, encontrará “a pérola de grande valor”: a fidelidade e a compaixão do nosso Deus. Que eu experimentando a fidelidade e a compaixão de Deus para comigo, possa também me tornar fiel e compassivo.

- “O Reino dos céus é semelhante ainda a uma rede que, jogada ao mar, recolhe peixes de toda espécie. Quando está repleta, os pescadores puxam-na para a praia, sentam-se e separam nos cestos o que é bom e jogam fora o que não presta” (vv. 47-48).

Perdição é a terrível experiência de solidão e separação de tudo e de todos: nenhuma companhia, ninguém para amar e falar. O Reino dos céus ou o Reinado de Deus evita que o homem caia em tal desgraça. Que o Reinado de Deus avance, que o anúncio da Palavra de Deus aconteça (“rede jogada no mar”), que muitos, tais como peixes na rede, sejam chamados a viverem em comunidade, em família.  Que saibamos conviver com irmãs e irmãos (“peixes de toda espécie”) e deixemos o julgamento ao Senhor.

Queremos ser acolhidos, queremos ser peixes bons, pois os que não prestam serão jogados fora. O peixe bom imita o Pai celeste que manda chuva no terreno de todos, justos e injustos (cf. Mt 5, 43-48). Importa que todos nós imitemos o Pai celeste.

- “Assim será no fim do mundo: os anjos virão separar os maus do meio dos justos e os arrojarão na fornalha, onde haverá choro e ranger de dentes” (vv. 49-50).

No fim do mundo, ou seja, quando o mal terá o seu final e todo o bem será realizado. O mundo não tende propriamente a um final, mas tende ao seu “cumprimento” tal como uma casa levantada tende ao seu acabamento quando toda ela ficará bela e confortável. “Naquele dia”, quando o bem triunfará totalmente teremos explicitamente a revelação do rosto de Deus, do olhar do Pai em cada filho: veremos o olhar misericordioso do Pai.

“Naquele dia”, a Palavra (“os anjos”) separará o bem do mal (cf. Hb 4, 12), e o “fogo” queimará o que não presta, pois o Senhor é o Santo, e restará somente o amor ao bem.

Que a Palavra elimine em mim o que não resista ao fogo que devora (cf. Hb 12, 29).

- “Compreendestes tudo isto? Sim, Senhor, responderam eles. Por isso, todo escriba instruído nas coisas do Reino dos céus é comparado a um pai de família que tira de seu tesouro coisas novas e velhas” (vv. 51-52). Nós, sabedores da Palavra, devemos transmitir aos demais aquilo que entendemos, e também viver coerentemente com a Palavra que conhecemos, isto é, o “Evangelho” que é sempre uma boa e nova notícia para quem esteja disposto a receber (quem não lembra no alto da cruz das palavras de Jesus, do seu Evangelho, dirigidas ao condenado arrependido: “Hoje estarás comigo no Paraíso”?

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.