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Homilia do XVII Domingo do Tempo Comum - ano B / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 28/07/2018 - 15:47

XVII Domingo do Tempo Comum - ano B

João 6, 1-15

Viver como homens pascais, em festa, em partilhando, alimentados, ressuscitados e livres.

A Igreja lê, neste domingo da Ressurreição do Senhor, o Evangelho de São João. Narra-se que Jesus subiu a um monte e ali se sentou com seus discípulos. Aproximava-se a Páscoa dos judeus. Havia também uma grande multidão faminta. Filipe imaginava que só comprando pães é que poderiam “matar” a fome da multidão. André não acreditava que o pouco que um menino tinha pudesse saciar a todos. Jesus intervém: toma os cinco pães e os dois peixes, rende graças e sacia a todos os presentes.

- “Aproximava-se a Páscoa, a festa dos judeus” (v.4). Certamente todos se lembravam de um tempo feliz no qual foram libertos da escravidão no Egito, das garras do Faraó. No entanto, a realidade era outra. E, hoje também, vemos tantos tipos de escravidão.

Há no mundo o drama da fome, da má distribuição de renda, da injustiça das leis do mercado e das leis de cada nação. Há em cada coração uma fome de satisfação, de união, de comunhão, de companheirismo, de júbilo, de alegria, de esperança, de fé. Há uma fome de confiança, de compreensão, de entendimento de tudo que acontece, de encontrar alguém que nos ame de maneira incondicional. Tudo indica que não basta só viver para comprar e vender, não basta a lei do mercado (Eu estabeleço o preço porque eu tenho e você não tem) nem a lei do acumulo, da mera posse ou propriedade. O mundo se organiza de tal maneira que o outro se torna suspeito e eu mesmo me faço um suspeito para o outro. O “encontro” não é facilitado, mas, sim, a distância, a separação.

- “Jesus levantou os olhos sobre aquela grande multidão” (v.5). Eu, você, aquela pessoa conhecida e também aquela desconhecida tem a mesma fome. Na dor, na busca de perdão, de redenção, na necessidade, somos todos iguais, formamos uma grande multidão.  cena do Evangelho de hoje nos mostra que seja a fome como a saciedade são vividos em comum. Não é isso bonito? Já pensou em partilharmos nossas necessidades, precisões, choros e lágrimas? Já pensou em partilhamos nossa alegria, satisfação, júbilo, sucessos e vitórias?

- “Seguia-o uma grande multidão” (v.2). Em meio a um mundo tão descrente uma Luz surge e é seguida. Jesus de Nazaré desperta o sonho de uma nova terra, de um novo mundo, de um nosso êxodo e saída, de uma vida nova. Ele não estava sozinho, estavam com Ele os discípulos, a comunidade. A nossa Igreja como um todo e as nossas comunidades são chamadas a serem “sal da terra e luz do mundo”, portadoras da Palavra que são.

- “Está aqui um “menino-servo” que tem cinco pães de cevada e dois peixes...” (v.9). Tal “menino-servo” se torna para nós um modelo a ser seguido. É possível, sim, manter a alegria de homens livres, salvar a nossa terra, a nossa humanidade, a nossa família, o gosto de vivermos juntos. Oxalá o nosso pão, o nosso trabalho, o nosso empenho e dedicação, nossa cultura e tudo o que fazemos seja posto em comum, seja posto numa bandeja e servido.   A solução é acreditar no pouco que venhamos a ter ou ser. Importa que eu tenha a convicção que meus dons e talentos me completam enquanto alegro-me em partilhá-los. A solução acontece por este caminho de não reter, mas de ser grato, devolver ao “Senhor a quem pertence a terra e tudo que nela contem”. No dia que eu fizer isso serei alimentado e alimentarei quem vive comigo. De fato, aquele “menino-servo” devolvendo ao Senhor, servindo o seu alimento, não só alimentou a si, mas também toda uma multidão. E se não tivesse partilhado? E se o seu pão e peixe não se tornasse ação de graças através de Jesus? Certamente o menino os teria comido, mas jamais seria saciado. Não é verdade que a esposa se alimenta e se vê feliz quando se doa e alimenta ao esposo? O mesmo espera-se aconteça entre pais e filhos e entre nós cristãos em nossas comunidades. Se não acredito nisso, resta-me somente deter, segurar o que tenho e sou: insatisfação, solidão, disputa, defesa.

“... havia naquele lugar muita relva. Sentaram-se aqueles homens em número de uns cinco mil. Jesus tomou os pães e rendeu graças. Em seguida, distribuiu-os às pessoas que estavam sentadas, e igualmente dos peixes lhes deu quanto queriam. Estando eles saciados...” (vv. 10-12). Jesus rendeu graças ao Pai pelos pães.

Somente vivendo em ação de graças é que o meu tesouro jamais será uma coisa ou eu mesmo, mas o será o “outro”, o outro rosto humano. Só assim nossa vida, nossos bens e conquistas, não nos aprisionam, mas será ocasião de encontro. Estou em perigo de perder minha vida quando passo a viver para ter, reter e acumular, pois, assim, sacrifico toda a minha vida em vista a acumular “pão” e coisas. Viverei como um esquecido, como um que esqueceu que o pão, assim como a vida, é um dom do Pai. Não conhecerei a gratidão, o louvor da vida, a liberdade dos filhos de Deus e nem a alegria de quem tem muitos e reais irmãos.  

 - Cinco mil homens assentados e servidos, alimentados. Toda pregação da Igreja e as pastorais são chamadas a fazerem com que cada pessoa deste mundo se sinta servida do amor de Deus, se sinta merecedora de viver, se sinta capacitada para erguer-se e um dia amar também, servir também.

- Esse negócio de partilhar! Quando uma criança recebe o pão da mãe e do pai, não recebe só o pão, mas também o amor, carinho e dedicação dos pais presentes naquele pão. Aqui o pão se torna relação. A vida humana é relação. O comer juntos é expressão disso. Quando negamos esta relação - que é a partilha do pão, do meu suor, do meu trabalho, da minha alegria, da minha dor-, passamos a viver na “retranca”, brigando e se matando em palavras e atos.

Quando os humanos partilham o “pão”, quando a vida é partilhada e colocada em comum, quando eu aceito o pão que o outro tem a me oferecer algo novo nasce, um sinal se acende, uma luz aparece, uma estrada surge: o homem se rende, o amor do Pai e a Fonte da vida irrompem, a vida se enriquece de sentido, surge um mundo novo e as portas dos céus se abrem.

- Cinco mais dois são iguais a sete. Sete: número de plenitude, número perfeito, sinal do repouso em Deus, reino do amor e da partilha (O sábado santo). E naquele dia todos festejaram, comeram, ficaram saciados e “saturados” de felicidades.

- “Em seguida, distribuiu-os às pessoas ... e igualmente dos peixes lhes deu quanto queriam”(v.11.)Uma pergunta foi feita ao ser humano: “O que tu queres quando queres”? O coração humano é inquieto! Quem ou o quê irá preencher os desejos de uma alma humana? Hoje, o Evangelho nos revela que tiveram tanto quanto queriam. Aqueles cinco pães e dois peixes dados em ação de graças, comidos juntos  - não separados – saciaram a alma humana: mistério da parceria, da amizade, da fraternidade, da gratidão ao Pai pelos bens e pela companhia dos irmãos.

- Tem algo neste pão que não somente mata a fome, mas sacia. Tem um “não sei quê” de especial, um restante, uma abundância ou superabundância, um excesso, uma demasia, umexcedente imenso. É a vida eterna, é a vida do Filho que a nós se doa, é a nossa relação com o Pai, é a nossa relação de partilha: “Estando eles saciados, disse aos discípulos: Recolhei os pedaços que sobraram, para que nada se perca” (v. 12).

- Jesus não quer simplesmente matar a fome da multidão, mas deixar um sinal que revele como Deus sonha o mundo dos seres humanos. Podemos até comprar alimento para todos, mas não é esta a solução vista por Jesus para alimentar a multidão. A solução é a partilha do que se tem. Não qualquer partilha, mas partilha total (5 + 2 = 7). Que o alimentar-se seja em grupo, em comunidade, e isso porque “a gente não quer só comida”, mas também uma presença amiga, uma presença que alimente a alma, queremos companhia, queremos um ouvido, queremos compreensão, queremos ser reconhecidos, queremos falar, ouvir, ser amparo para alguém, etc.  Que sejamos um alimento: quer com o que temos, quer com o que somos. Que nos deixemos alimentar: vivamos em família, em comunidade, recebamos o que de bom o outro (a) tem por nos dar.

- “Do Senhor é a terra e o que ela contém” (Sl 24). Para o pensamento bíblico somos hóspedes de Deus nesta terra, não os proprietários, donos. Se sou hóspede e se somos hóspedes, os bens não são absolutamente de nenhum humano. Aqui temos uma profecia: um chamado a uma maior solidariedade humana.

Uma dica: assista ao filme “A festa de Babette”.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.