Homilia do XXIII Domingo do Tempo Comum - ano A / Frei João Santiago
XXIII Domingo do Tempo Comum - ano A
Mateus 18, 15-20
A prova que nos amamos não é quando tudo vai às mil maravilhas, mas como afrontamos os conflitos que eventualmente surgem.
- Não há maior felicidade para nós humanos do que se sentir “um com outros”. Lembro-me de um frade que me dizia da sua maior felicidade quando criança: lançar-se entre seu pai e mãe no sofá para assistir com eles o telejornal. Não será por isso que as crianças gostam de dormir na cama do papai e da mamãe? Imaginemos um pouco mais, uma alegria maior: o próprio Deus no meio dessa festa: “Porque onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei ali no meio deles” (Mt 18, 20).
Com o pecado, infelizmente, quebramos e dividimos a unidade, a fraternidade, a família, a comunidade. O Evangelho de hoje nos ensina a restaurar a comunhão ofendida....
“Se teu irmão pecar, vai e censura-o pessoalmente. Se ele te ouvir, terás ganho teu irmão. Se não te ouvir, leva contigo uma ou duas pessoas a fim de que toda a questão se resolva pela decisão de duas ou três testemunhas. Se não as ouvir, vai dizê-lo à igreja. E, se não escutar a igreja, seja para ti como um pagão e pecador público. Eu vos garanto: Tudo que ligardes na terra, será ligado no céu; e tudo que desligardes na terra, será desligado no céu. Digo-vos ainda: Se dois de vós se unirem na terra para pedir qualquer coisa, hão de consegui-lo do meu Pai que está nos céus. Porque onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estarei ali no meio deles”.
- Um hino antigo assim reza: “Cristo vive, Cristo reina, Cristo, Cristo impera!” A minha fé se traduz em gestos, comportamentos e modos de pensar. Se realmente o Senhor é vivo para mim, ele domina, reina e impera sobre mim. Tal senhorio do Senhor sobre a minha pessoa se mostra nas minhas relações com os demais. Quem disso duvida ou quem acha que isso não seja grave, leia Mateus 25, 31ss, ou seja, o juízo final. Eis, portanto, o motivo pelo qual Mateus narra para nós, seja a gravidade do pecado que destrói relações, sejam as medidas que se devem tomar para resolver a questão.
- v. 15: “Se teu irmão pecar, vai e censura-o pessoalmente...”. Se o outro é importante para mim e para a nossa comunidade, ele merece ser corrigido, pois pecou, e pecando ofendeu a si mesmo, desfez a comunhão com os irmãos. Ele não pecou contra mim, mas pecou e como é meu irmão fico em débito com ele, fico lhe devendo algo: a correção fraterna. Provavelmente cometeu pecado grave: “.... prostituição, impureza, libertinagem, idolatria, feitiçarias, ódios, discórdias, ciúmes, iras, rixas, dissensões, divisões, invejas, bebedeiras, orgias e outras como estas, das quais vos previno como fiz antes, pois quem praticar tais coisas não será herdeiro do reino de Deus” (Gal 5,19-21).
O irmão que assim pecou está “ariado”, errante, confuso e desorientado, e se não é reconquistado à comunidade, arrisca de se tornar um perdido sem retorno. O convite a ir pessoalmente advertí-lo deve ser feito sem ódio, sem espírito de crítica, vingança ou rancor, mas, ao contrário, amando e compreendendo o irmão assim como gostaria de ser compreendido e amado.
Infelizmente uma pregação “melosa” por vezes se omite de advertir o irmão, apelando para o mandamento do amor ao próximo. Esquece que há também o mandamento contido em Levitico 19,17: “Não odeies a teu irmão no coração. Repreende o próximo para não te tornares culpado de pecado por causa dele”. E São Tiago exorta: “Meus irmãos, se algum de vós se extraviar da verdade e outro o reconduzir, saiba que salvará uma alma da morte e cobrirá uma multidão de pecados todo aquele que converter um pecador do caminho desviado” (Tg 5,19s).
- Se formamos o Corpo de Cristo, eu e o irmão pecador estamos juntos neste Corpo. Perdê-lo seria perder uma parte do Corpo que eu faço parte, portanto, seria perder parte do meu corpo, parte de mim. Caso eu acredite em tal verdade do “Corpo de Cristo que é Igreja” e professo a fé na “Comunhão dos Santos”, sinto a dor por esse membro pecador, ferido, enfermo. O Evangelho de hoje nos exorta a tomar atitudes a fim de curar o membro “estragado” (Se teu irmão pecar, vai e censura-o pessoalmente ... Se não te ouvir, leva contigo uma ou duas pessoas ... Se não as ouvir, vai dizê-lo à igreja ...).
- O objetivo da correção fraterna não é condenar, mas ganhar o irmão. Trata-se de levá-lo a se rever, arrepender-se, corrigir-se e reconciliar-se com os demais, para que seja filho do Pai e irmão dos demais.
- Ouvindo a Palavra: “Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, vosso Pai celeste também vos perdoará” (Mt 6,14), “Não julgueis, e não sereis julgados”, não arranquemos o joio (cf. Mt 13,24ss); não desprezar a ovelha perdida (cf. Mt 18,10-14), alimentamos aquele espírito de concórdia – e não de crítica- que deve nos conduzir até ao irmão que peca gravemente contra a comunidade.
- Importa aproximar-se pessoalmente do irmão, escutar o porquê de tal ação ou palavra. Considerar o seu ponto de vista, e não se ater às aparências ou aos comentários alheios. Escutar o outro é também pôr-se no lugar dele, considerar sua história pessoal de vida. Por vezes a própria pessoa que cometeu um ato não consegue dizer nem para si mesmo o motivo de tal ação. Neste momento percebemos o quanto o irmão esteja necessitado, pois nem ele sabe bem o que se passe em seu interior.
v. 16-17: “Se não te ouvir, leva contigo uma ou duas pessoas .... Se não as ouvir, vai dizê-lo à igreja.” A dose do remédio depende da gravidade da enfermidade. Caso o irmão que pecou gravemente não se rende à minha presença, talvez reconheça o seu erro diante de um número maior de irmãos, isto é, diante de uma maior manifestação de amor em relação à ele. “A verdade vos libertará”: queremos o irmão livre e, por isso, não nos cansemos de mostrar-lhe a verdade, e, por isso, não nos omitimos, não caímos no pecado de omissão.
v. 17: “... E, se não escutar a igreja, seja para ti como um pagão e pecador público”. “Jesus, manso e humilde de coração, fazei nosso coraçao semelhante ao vosso”. Grande jaculatória que nos ensina a não perseverar num coraçao de pedra. O irmão pecador se mantém num coraçao de pedra. Neste momento a comunidade torna clara a posição que o pecador assumiu: colocou-se, por conta própria, fora da comunhão eclesial. Tal atitude da comunidade em relação ao irmão que pecou vai tornar explícita a gravidade do mal cometido pelo irmão. O objetivo último é que reveja sua atitude. “Já é público que entre vós reina a imoralidade, e imoralidade tal como nem entre os pagãos, pois dá-se o caso de um ter a mulher de seu pai. ... entrego esse tal a Satanás para ruína da carne, a fim de que o espírito seja salvo no dia do Senhor” (1Cor 5,1-5). “...Alguns, que a rejeitaram (o combate da vida cristã), naufragaram na fé. É o caso de Himeneu e Alexandre, que entreguei a Satanás para aprenderem a não blasfemar” (1Tm 1,20). “Se alguém não obedecer ao que ordenamos por esta carta, marcai-o e não tenhais familiaridade com ele para que se envergonhe. Mas nem por isso considerai-o como inimigo, mas corrigi-o como um irmão” (2Ts 3,14s). “... e quanto ao herege, depois de uma ou duas advertências, evita-o, considerando que está transviado. Peca e por seu pecado se condena” (Tit 3,10-11).
- Mas isso não é tudo.... Não nos espantemos quando a Igreja declara um irmão de afastado, pecador, pagão...., pois não se trata de excluí-lo. Ao contrário, Nosso Senhor nos pediu para amá-los, pois o amor pode mais, pode até fazê-lo voltar: “... Pois eu vos digo: Amai vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem” (Mt 5, 44). E como a esperança sempre nos motiva a não desistir de amar e nos motiva a manter a fé... esperemos, esperemos o irmão voltar, retornar.
Para um diálogo entre a Comunidade e o irmão pecador
Quando partilhamos em confiança nossa vida, quando nossas profundezas se encontram e quando nos encontramos no segredo da nossa vida, Deus se faz presente.
Quando nos damos somente palavras cotidianas ou reflexivas nossa união não resiste ao primeiro desentendimento.
O segredo da unidade está em oferecer e receber nossa vulnerabilidade, nossos medos, nossas imperfeições. Enquanto mantivermos a “posse”, o “porte”, a “couraça”, as acusações, a disputa e todas as formas de defesa, a unidade se torna imposível. A união nasce quando as pessoas que dialogam se despem, confiam suas realidades mais profundas, despojam suas defesas, suspende o próprio “eu”, e permitem o novo acontecer. Não tenhamos medo desse “novo”, de um tal de “oitavo dia” (Domingo da Páscoa) que desmonta tudo aquilo que até então conhecíamos, que desfaz o “homem velho” e nos mostra “novos céus e nova terra”.
Eu aceito vivamente a comunhão quando tenho a certeza de que eu posso me mostrar como sou e quando percebo que os irmãos me veem também por aquilo que sou e não somente por aquilo que faço ou exerço.