Homilia do XXV Domingo do Tempo Comum - ano A / Frei João Santiago
XXV Dom Comum Mateus 20, 1-16
“Não diga: ´Eu mereço mais`. Não diga: ´Eu mereço menos`”.
- “O reino dos céus é semelhante a um pai de família que, ao romper da manhã, saiu para contratar trabalhadores para sua vinha”. A “vinha” produz frutos. Frutos produzem manjares, delícias, boa bebida, boa comida, bom encontro de família, regozijo, paz e alegria. “...caridade, alegria, paz, longanimidade, afabilidade, bondade, fidelidade, mansidão, continência” (Gal 5, 22). É a festa de Deus com o seu povo. Podemos traduzir esta festa com a expressão “O triunfo de Deus, do Amor, e do “bem-querer” entre os seres humanos”. E quem não deseja tal festa?! Ninguém é feliz sozinho: o nosso primeiro banho foi outro(a) que nos deu; assim, também, será o nosso ultimo banho.
O Senhor Deus sempre nos chamará, nos provocará para usufruir de tal “vinha”. Os fatos da vida (alegres ou não tão alegres), nossas etapas de vida (infância, juventude, maturidade), nossos sonhos, sucessos, trabalhos são chamados também. As Sagradas Escrituras, a Liturgia, a visita a um enfermo são todos chamados e provocações do Senhor. Ele quer que participemos da festa da vida, da “vinha”. Não esqueçamos: a “vinha”, a festa da vida será sempre encontro com o próprio Senhor e com os demais que participam de nossa jornada nesta história que é a nossa vida, nossos anos de vida.
Chama atenção o fato do próprio dono da vinha sair para contratar operários. O normal é mandar o gerente. Mas, não! O Pai tem urgência de recolher os frutos da vinha, isto é, a sua própria vida por oferecer. O Pai aqui se revela: Ele existe para nós, não pode estar bem vendo seus filhos fora da “vinha”. Sua a alegria se dá quando todos participam da vinha como membros de uma mesma família, trabalham nela, vivem dela. “Onde há caridade, Deus aí está”, diz o canto.
- “Acertado com eles o preço da diária, mandou-os para sua vinha”. O patrão prometeu o preço de uma diária, e cumprirá a sua promessa, isto é, se participamos de sua vinha não morreremos de fome, teremos acesso à vida, cumpriremos a lei e os profetas (cf. Mt 20, 4), teremos o próprio Deus que se doa ele próprio quando promete algo. Viveremos como filhos de Deus e como irmãos: estaremos na vinha, nas delicias, nos manjares, nas delícias, num bom encontro de família, regozijando-nos, pacificamente e em alegria.
- “E, ao sair por volta das cinco horas da tarde, encontrou outros que estavam desocupados e lhes disse: ‘Como é que estais aqui sem fazer nada o dia todo?” Enquanto os primeiros contratados já tinham trabalhado onze horas, estes trabalharão apenas uma hora. O patrão parece muito preocupado porque encontrou pessoas sem trabalho. Jamais será tarde, pois até o ultimo instante somos chamados a participar da “vinha”, da alegria de viver em “koinonia”, a fazer uma reviravolta na vida (conversão), a dar frutos de fé, adesão ao nosso Deus, pacto com Ele; a dar frutos de solidariedade, compaixão e atenção às faces, rostos que nos vêm ao encontro na jornada de nossos dias.
- “Eles lhe responderam: ‘Porque ninguém nos contratou’”. O papa Francisco reiteradamente tem dito que a Igreja deve ser uma comunidade “em saída”. Não será verdade que tantos filhos (as) de Deus estão por aí sem conhecer a “paz”, o “shalom” porque ninguém os contrata? Por falta de uma ação missionária tantas vidas se veem falidas, não desabrocham. Enquanto que com os primeiros o acerto foi de uma diária, e com os demais o acerto seria algo justo (cf. v. 4), com estes não se fala nada. Como será o acerto? Estão entregues à pura boa vontade do patrão.
- “Pelo fim do dia, o dono da vinha disse ao seu feitor: ‘Chama os trabalhadores e paga os salários, a começar dos últimos até os primeiros contratados’”. O “fim do dia”, o fim de nossas fadigas, o que semeamos, o que plantamos: quais frutos colhemos e deixamos? O fim do novelo, a hora “H”, o fim dos dias do homem e da sua história. Tem início o pagamento das fadigas (repouso, recompensa). E para quem não crê no Amor que julga (cf. Mt 25, 32ss), lembramos que a consciência individual dá testemunho dos atos sem testemunha.
- “Chegando os das cinco horas da tarde, cada um recebeu uma diária. E quando chegaram os primeiros, pensaram que iam receber mais. No entanto, receberam também uma diária. Ao receberem, reclamavam contra o dono, dizendo: ‘Os últimos trabalharam somente uma hora e lhes deste tanto quanto a nós, que suportamos o peso do dia e o calor’. E ele respondeu a um deles: ‘Amigo, não te faço injustiça. Não foi esta a diária que acertaste comigo? Toma pois o que é teu e vai embora. Quero dar também ao último o mesmo que a ti. Não posso fazer com os meus bens o que eu quero? Ou me olhas com inveja por eu ser bom?’ Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos”.
- Muitas pessoas na época de Jesus, para sobreviverem com suas famílias, dependiam que alguém os contratasse para algum “biscate”. A parábola narra que todos receberam a quantia necessária para viver durante um dia. O Pai amou a todos, “alimentou” a todos, e todos viveram desse amor. Sem este amor a vida de um homem nesta terra se torna uma vã fadiga. Por isso, Jesus conta-nos tal parábola: para revelar que o Pai nos quer na sua “vinha”, mais cedo ou mais tarde, não importa. E não se trata de uma recompensa qualquer que possa ser medida, calculada. O Pai não pode dar menos aos últimos, pois, na verdade, é Ele mesmo que se doa, e é próprio do amor divino não contabilizar o amor, mas amar sem medidas, sem rédeas e sem freios: o Pai não pode dar algo menos do que Ele mesmo.
- Por vezes o “justo” imagina que o “pecador” não deva merecer algo. Na parábola do filho pródigo, o filho mais velho não vê com bons olhos um pai que abraça seu irmão dissoluto. Os primeiros da parábola de hoje não concordam em receber a mesma quantia dos últimos trabalhadores. E, assim, colocamos sempre algo que ocupa o lugar do outro (Mérito? Justa medida? Diferença?), não sendo mais importante a felicidade do outro, mas o merecimento, o próprio ego, o próprio juízo e distinção, a própria forma de pensar. Uma mãe, que ame seu filho, jamais ficará contente em ver o seu filho receber menos felicidade do que ela. Então.... se formamos uma só família como podemos nos alegrar procurando ser felizes sozinhos? Jesus, o Mestre, nos ensina que a minha alegria, salvação e felicidade estão, sim, implicadas com os demais. Não deixa de ser triste verificar que, na parábola, aqueles que trabalharam na vinha do Senhor desde o princípio do dia não se alegraram com os últimos. Parece até que estavam na vinha por obrigação, e não pelo próprio Senhor. Deveriam gritar de alegria por verem aquelas outras pessoas, que mesmo tarde, quase no final, entraram na ciranda, na roda da vida, na “vinha” do Senhor. Há uma canção que testemunha contra os primeiros operários: “Por isso vem entra na roda com a gente também, Você é muito importante. A força que hoje faz brotar a vida habita em nós pela sua graça. É ele quem nos convida pra trabalhar, o amor repartir e as forças juntar”.
Sobre o amor do Pai.
- O dono da vinha não precisava de tantos operários e nem de sair - como agoniado - a toda hora em busca deles. Na verdade, a preocupação não é com ele e com seu lucro, mas com aqueles que estão sem o sustento para suas famílias. Eles têm direito? Eles têm Mérito? Eles têm Capacidade? Eles estão no “justo”? Bom, parece que o patrão não se põe tais perguntas, mas outra: “Ninguém pensou neles, eles têm necessidade e estão com fome”. Jesus nos revela o Deus de bondade sem motivos, o Deus da surpresa que causa vertigens nos pensamentos normais. Nenhum patrão faria assim. E se o patrão da parábola o faz é para nos precaver a jamais reduzir a imagem de Deus. Deus é sempre mais e mais, resta-nos abrir a boca e ser educados por Ele: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito; abre bem a tua boca, e ta encherei” (Sl 81).
- A nossa recompensa deve ser considerada como um dom por dividir. Assim fez José do Egito. Predileto do pai Jacó, cheios de méritos diante de Deus e do Faraó, salvou seus irmãos, os mesmos que tentaram matá-lo. Um dom por dividir, não um dom para pôr em comparação com os dons dos demais.
- O Pai não foi injusto, mas generoso. Não tirou nada dos primeiros, só acrescentou algo a mais aos últimos. Provocação? Sim! Provoca-nos e nos lança a todos em uma aventura desconhecida: aquela da bondade. A bondade abre-nos a um horizonte mais amplo....
Comentários finais
- Podemos, sim, ficar limitados e considerando as obras, os méritos. A parábola nos convida para além disso, para olhar o homem que necessita, que padece.
- Jesus revela que para Deus a recompensa justa é conhecer o Pai amoroso e saber-se filhos d´Ele. No reino de Deus, a recompensa não tem nada a ver com “coisas” materiais ou espirituais, mas é relação entre pessoas: nós e o Senhor.
- A raiz da religião do mérito, do “toma-lá-dá-cá”. Quanto me sinto desprovido de uma presença segura e benfazeja, procuro me segurar em algo. Seguro-me em mim mesmo e no que eu possa conquistar para me segurar. Os outros, ou me serão indiferentes, ou os verei como concorrência enquanto podem tomar meus bens e méritos que me dão proteção. No fundo, a religião do mérito tem por Deus o próprio “ego” de quem assim vive tal religião.
- A frase “Os últimos serão os primeiros” significa que o reino apregoado por Jesus é o reino da gratuidade. A gratuidade nos desmonta, nos faz sentir importantes e no direito de existir. E se temos a graça de sempre ter estado com o Senhor, como os primeiros operários, deveríamos ter aprendido a lição, isto é, sempre nos consideremos neste oceano de aceitação, pois fomos aceitos, muito amados. Lembro-me de uma cena. Passava de ônibus em uma rua não tão movimentada. Era de noite. Vi na beira da calçado uma pessoa deitada, talvez drogada. E debruçada sobre esta pessoa estava alguém. Este alguém procurava oferecer ajuda àquela pessoa ali jogada. Que retorno poderia aquela pessoa usuária de drogas oferecer? Pura gratuidade era oferecida ali. Isto se chama também amor incondicional. A expressão “Os últimos serão os primeiros”, portanto, é uma linguagem para combater a mentalidade e a religião marcadas pela lei do comprar, do merecer, e expressa a lei do amor e da adoção (ao filho natural devo-lhe obrigação. Ao filho adotado, não: pura gratuidade). Não é tão fácil acreditar na expressão “Os últimos serão os primeiros”. Sinal da dúvida aparece no nosso falar: “Será que sou assim tão aceito, amado? Impossível!!!. Jesus um dia disse: “Não quero sacrifícios, mas misericórdia”. Outra tentativa do nosso Salvador de nos livrar daquela tentação de considerar a Deus como um comerciante, e não como o Pai querido.
- “Toma pois o que é teu e vai embora”. Perde o aconchego da casa dos irmãos e do Pai, e fica, assim, abraçado consigo mesmo. Que triste! Uma criança, um dia, deve entender que a mãe dele não é só mãe dele. O operário que perdeu os laços com o Pai não passa de uma criança egocêntrica e narcisística.