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Homilia do XXVIII Domingo do Tempo Comum - ano C / Frei João Santiago

Publicado por Frei João de Araújo Santiago | 12/10/2019 - 17:59

XXVIII Domingo do Tempo Comum - ano C (Lucas 19, 11-19)

Dez encontraram a saúde, um só encontrou Alguém.

Você pode reconhecer que deve um favor a alguém. Você pode até mesmo dar um presente em sinal de gratidão. Mas outra coisa é sentir-se envolvido, impelido a este alguém, vinculado.

Alguém poderia pensar o que segue: Será que podemos ver a alma? Acho que não. Mas a superfície dela, sim, podemos. A superfície dela é a pele. A lepra é “doença de pele”, “doença da alma”. Pela pele podemos tocar na alma, na superfície dela. A “lepra” sempre diz: “afaste-se de mim, tenho medo, nada me fará bem”.  A lepra é doença das relações, é a porta fechada da alma, é espinhos para os abraços.

- “Caminhando para Jerusalém, atravessava a Samaria e Galileia” (v. 11). O Senhor se faz presente em nossa “Samaria” e “Galileia”, atravessa, vem até a nossa infidelidade, ao nosso cotidiano, até nossa realidade “nua e crua”, real, ainda marcada pelo pecado. E quando Ele nos encontra, vem à tona tantas “lepras” mais ou menos escondidas dentro e fora de nós. Que todos nossos espaços interiores e exteriores sejam encontrados pelo Senhor Jesus, a fim de que ninguém viva para sempre trilhando caminhos paralelo aos seus. Que eu não viva para sempre atraversado por tantas “samarias e galileias” (Usos, costumes, maneira de ser e de pensar adquiridos, herdados e assumidos, e que não são tão benfazejos). Que eu possa ser atraversado pelo Senhor, encontrado por Ele, por seu amor, perdão e misericórdia. Jesus vem ao nosso encontro, se expõe, “caça” o homem, a fim de fazê-lo acreditar mais o quanto é imagem e semelhança do Criador, o quanto é amado e querido. Não nos desconsideremos!

- “Ao entrar numa aldeia, vieram-lhe ao encontro dez leprosos, que pararam ao longe e elevaram a voz, clamando: ‘Jesus, Mestre, tem compaixão de nós!’” (vv. 12-13). Leprosos que saíram de uma aldeia. Ora, no fundo, em todos os lugares têm leprosos: aldeia que gera leprosos e leprosos que contaminam a aldeia. Quais filhos geram nossas famílias? Quais cidadãos geram nossas cidades? E estes filhos e cidadãos favorecem ou danificam nossas famílias e cidades?

Há irmãos e irmãs que sofrem – culpa deles e culpa de todos. O livro do Levítico contem uma lei para os leprosos que sofrem: “Também as vestes do leproso, em quem está a praga, serão rasgadas, e a sua cabeça será descoberta, e cobrirá o lábio superior, e clamará: Imundo, imundo” (13, 45). Quanto dor para quem deve dizer a si mesmo: “Imundo, impuro, condenado no corpo e na alma”. A lepra atinge de maneira especial as mãos do leproso, isto é, o doente se vê impossibilitado de trabalhar, de tecer sua vida, seus sonhos, sua felicidade como pessoa. A “lepra espiritual” deixa o homem incapaz de estender as mãos para ajudar, para fazer o bem, para acariciar, enquanto só sabe usar as mãos para agredir, afastar e ofender. A lepra é “doença de pele”, de contato, de relações. A “lepra espiritual” é sintoma de nossa distãncia para com os outros e para com o Senhor da vida, é expressão de nossa solidão, de não pertencer a ninguém, do machucar-se reciprocamente, da exclusão da salvação e é expressão da morte espiritual que carrega dentro de si (pecado). Diante de tudo isso, tudo indica que mais ou menos, todos nós, somos portadores da praga da “lepra”.

- “... e elevaram a voz, clamando ...”. O clamor, a voz, a palavra, rompe e elimina a distância entre os leprosos e Jesus, entre a morte e a vida.  Os leprosos se sentem autorizados a chamarem o nome “Jesus”. Na Bíblia, chamar alguém pelo nome significa que sou amigo e tenho certa confidência com a outra pessoa. Os leprosos chamam Jesus pelo nome: que eu também, mergulhando na minha realidade, na minha verdade, de homem necessitado da Graça, me sinta autorizado a chamar o Senhor pelo nome. Facilmente apresentamos ao Senhor nossas virtudes, e isso é bom. Importa, no entanto, que tanhamos a coragem de gritar, “botar para fora”, a nossa lepra. Ele estará sempre esperando ouvir o nosso grito! Não fiquemos acanhados, pois nossa miséria é a nossa chance de invocar o melhor que o Senhor tem a nos oferecer: sua misericórdia. Assim fazendo é que viveremos de invocação, de boas relações com o nosso Deus.

- “Jesus viu-os e disse-lhes: ‘Ide, mostrai-vos ao sacerdote’. E quando eles iam andando, ficaram curados” (v. 14). O sacerdote, no caso, deveria se certificar da cura e autorizar o retorno ao convívio. Estranho: os leprosos se metem a caminhar ainda leprosos. Alguém poderia se negar a ir antes de ser curado por medo de se apresentar leproso diante do Sacerdote. Jesus, mandando que eles se dirijam ao sacerdote, nos pede que caminhemos, mesmo que não sejamos perfeitos. E, aos poucos, obedecendo e confiando na Palavra, seremos curados. A “lepra” expressa falta: falta de confiança em Deus, porque eu não conheço ou não acato o fato de que Ele gosta de mim. Expressa falta de confiança em nós mesmos, porque eu acho que não sou importante para ninguém. Expressa falta de confiança nos outros, porque os outros nem sempre me aceitam.

 - Um deles, vendo-se curado, voltou, glorificando a Deus em alta voz. Prostrou-se aos pés de Jesus e lhe agradecia (“Dando-lhe graças – eucaristia”). E era um samaritano” (vv. 15-16)..

Um deles “voltou”, realizou uma conversão, mudou de direção, de rota, tomou outro rumo na vida. Deixou Jerusalém e seu templo para lá, de lado. A partir de então a fonte da vida é a pessoa de Jesus, a confiança n´Aquele que lhe reconstruiu a vida.  Sua mudança de rota, sua conversão, gerou um louvor, a certeza de que a bondade triufa sobre a maldade, e de que vale a pena viver. Celebremos nossa ação de graças, nossa Eucaristia, reconhecendo a Jesus como o Senhor cheio e fonte de compaixão e misericórdia.

- “Jesus lhe disse: ‘Não ficaram curados todos os dez? Onde estão os outros nove? Não se achou senão este estrangeiro que voltasse para agradecer a Deus?!’ E acrescentou: ‘Levanta-te e vai, tua fé te salvou’” (vv. 17-19). Nosso Jesus nos perguntará sempre: “Onde estão os outros nove?” Aprendamos com Jesus a pensar em todos aqueles e aquelas que não agradecem, que mesmo curados ainda não conhecem a salvação, melhor, o Salvador. Para nossa fé, no alto da Cruz, Nosso Senhor por todos se entregou. Importa que todos se voltem, retornem à fonte da salvação, pois o drama do homem se resolve no encontro – relação - que pode fazer com uma pessoa, a pessoa de Jesus.

Sobre o autor
Frei João de Araújo Santiago

Frade Capuchinho, da Província Nossa Senhora do Carmo. Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e Mestre em Teologia Espiritual. Tem longa experiência como professor, seja no Brasil, como na África, quando esteve como missionário. Por vários anos foi formador seja no Postulantado, como no Pós Noviciado de Filosofia. Atualmente mora em Açailândia-MA. Já escreveu vários livros e muitos artigos.