Homilia do XXXIII Domingo do Tempo Comum - ano C / Frei João Santiago
XXXIII Dom Comum
Lucas 21, 5-19
Eu, você, todos nós, por vezes, vemos “o nosso mundo cair”. Aquilo que acreditávamos ontem não mais acreditamos hoje. Uma vida que levávamos antes não mais suportamos hoje. Isso pode nos deixar vulnerável, fracos, para baixo. Aqui nasce um perigo: passar a acreditar no primeiro que nos prometa uma esperança, uma saída ou seguir um líder, uma seita, uma ideologia que prometa algo que nos faça sobreviver nesse nosso caótico mundo que nos rodeia. Diante disso, Jesus nos diz: “Não sigais essa gente”.
Mais há também outra tentação: a tentação de voltar à vida velha que se levava (o mundo velho faz-nos perseguição para cedermos à ele). Qual a saída? A saída certa é perseverar no seguimento de Jesus, sabendo que a vitória está garantida, pois Cristo Ressuscitou, e sabendo também que a batalha ainda acontece no dia-a-dia (mesmo a vitória estando garantida).
Sejamos, portanto, confiantes, “toquemos em frente” o nosso dia-a-dia pautando a vida na confiança no Pai de Jesus, no trabalho honesto, na atenção ao cônjuge e aos filhos e dando uma parcela em vista da construção de um mundo mais solidário e justo. Não permitamos que nenhuma decepção roube nossa alegria, pois Cristo caminha à nossa frente triufante e nos chamando até ele.
- "Como lhe chamassem a atenção para a construção do templo feito de belas pedras e recamado de ricos donativos, Jesus disse: ‘Dias virão em que destas coisas que vedes não ficará pedra sobre pedra: tudo será destruído’” (vv. 5-6).
O “templo”, lugar feito para se adorar a Deus tinha se tornado uma casa de comércio (cf. Jo 2, 16) e espaço de explorar o ultimo trocado das pobres viúvas (cf. Mc 12, 38-44). Jesus faz uma constatação: o povo e sua liderança religiosa, rejeitando os profetas, as santas Palavras contidas nas Sagradas Escrituras e rejeitando o próprio Filho de Deus, a Luz que ilumina os corações, terminam por ir ao encontro da própria ruína (“Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes Eu quis reunir os teus filhos como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vós não o aceitastes! Eis que a vossa Casa vos ficará desabitada!” - Lc 13, 34-35 -; “Aproximando-se ainda mais, Jesus contemplou Jerusalém e chorou sobre ela, dizendo: ‘Oh! Se também tu, ao menos neste dia que te é dado, conhecesses o que te pode trazer a paz!... Mas não, isso está oculto aos teus olhos. Virão sobre ti dias em que os teus inimigos te cercarão de trincheiras, te sitiarão e te apertarão de todos os lados; eles destruirão a ti e a teus filhos que estiverem dentro de ti, e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo em que foste visitada’" – Lc 19, 41-44). Ruína: rejeitando o Senhor terminam por perder também o símbolo de sua presença, o templo.
- “Então, o interrogaram: ‘Mestre, quando acontecerá isso? E que sinal haverá para saber-se que isso se vai cumprir?’. Jesus respondeu: ‘Vede que não sejais enganados. Muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu; e ainda: O tempo está próximo. Não sigais a eles’” (vv. 7-8).
Os interlocutores de Jesus parecem excitados e desejosos que os inimigos pelejem contra o templo, pois, segundo profecias, Deus de Israel apareceria na ocasião (cf. Sl 46/47, v. 6 especialmente).
Jesus nos adverte que muitos virão apresentando-se como o Messias, o Salvador. Jesus nos chama a atenção de não se deixar enganar, não ouvir nem dar atenção a pessoas que apregoam o fim do mundo ou apregoam que se unindo a eles escapar-se-á de qualquer tribulação. Tribulações fazem parte deste mundo: “No mundo tereis tribulação, mas coragem, eu venci o mundo”. Não caiamos na tentação, não elejamos ninguém como o salvador de nossas vidas, nem uma liderança religiosa, nem “namorados (as)”, nem “superiores”.
Em nossos dias ganha sempre mais relevo o mito da tecnociência, isto é, promete-se aos homens e mulheres de nosso tempo solução meio mágica para tudo, até para vencer a morte. Outros idolatram líderes políticos ou ideologias, alguns decidem por idolatrar a si mesmo procurando aquela autossuficiência que tornaria capaz de criar o próprio destino, o próprio amanhã e futuro. Não é por acaso que cada vez mais surgem “modas”, por exemplo, como aquela ideia, aquela salvação do amor, que diz: “Não se case, arrume alguém para os fins de semana ou para as férias”. Ora, encontro casual é fácil, construir relacionamentos exige empenho e nos provoca.
Nosso Senhor, por fim, pedindo para que não siga certas modas e certas promessas de salvação, está nos pedindo que sigamos a Ele, façamos nossa parte, não fiquemos paralisados esperando não sei o quê de extraordinário.
- “Quando ouvirdes falar de guerras e de tumultos, não vos assusteis; porque é necessário que isso aconteça primeiro, mas não virá logo o fim” (v. 9).
Jesus ressuscitou! Não devemos dar tanta atenção ao que está se destruindo, mas, com fé, esperança e caridade, colaborar para o surgimento de uma novidade como fruto de um novo espírito, o Espírito de Deus. O Espírito nos chama a uma novidade. Não choremos o leite derramado, as perdas, mas demos atenção ao novo que pode surgir depois dos desencontros, perdas, desastres e decepções em nossas vidas. O mal existe, acontece e aparece, mas não tem a ultima palavra e deve ser vencido e “purgado”. O mal é vencido com as armas do bem. São Paulo fala das dores da parto: Jesus ressuscitado é a cabeça que já nasceu e nós formamos o resto do corpo e estamos nascendo. A Igreja de Jesus continua ao longo da história semeando e plasmando o homem novo. É por isso que o Senhor tem paciência para com a humanidade. De qual lado estamos? Esforçando-se e consumindo os nossos dias para a manutenção da mentira e das injustiças ou servindo ao Reino?
- “Disse-lhes também: ‘Irão levantar-se nação contra nação e reino contra reino. Haverá grandes terremotos por várias partes, fomes e pestes, e aparecerão fenômenos espantosos no céu’” (vv. 10-11). Os homens fazem guerras, se digladiam, se difamam, se atacam, criam o caos, destroem a natureza e geram misérias, violência, fomes, pestes, convulsão social, etc. Deus permite tudo isso enquanto usa de paciência a fim de que todos conheçam a Verdade, seja provocado por Ela, se convertam e aprendam o caminho do santo temor de Deus e da solidariedade.
-“Mas, antes de tudo isso, vos lançarão as mãos e vos perseguirão, entregando-vos às sinagogas e aos cárceres, levando-vos à presença dos reis e dos governadores, por causa de mim” (v. 12). Isso vos acontecerá para que vos sirva de testemunho. Gravai bem no vosso espírito: não prepareis vossa defesa, porque eu vos darei uma palavra cheia de sabedoria, à qual não poderão resistir nem contradizer os vossos adversários. Sereis entregues até por vossos pais, vossos irmãos, vossos parentes e vossos amigos, e matarão muitos de vós. Sereis odiados por todos por causa do meu nome” (vv. 12-17).
Os discículos de Jesus enquanto testemunham o amor de Deus e o amor entre os homens, sofrem perseguição. E diante da perseguição importa testemunhar: o testemunho é a grande tarefa do cristão na hora da perseguição. O testemunho mostra e comprova a força maior do Ressuscitado, do bem e da verdade. O testemunho revela a força maior de Deus em nossos corações e o quanto somos vencedores sobre a morte, o pecado e o mal, e o quanto são ilusórias, falsas e perdedoras as lisonjas mundanas. O testemunho deixa claro que o mais forte não é aquele que grita mais alto, que tem mais armas, nem quem detém o poder político interno ou externo sobre os povos ou religiões.
Testemunhar a fé, que é adesão aos sentimentos e pensamentos de Jesus, pode atrair a fúria do poder religioso pervertido. Testemunhar a vida de irmãos ao interno da comunidade pode contrastar com as ideias até de parentes mais próximos (Quem não lembra da questão entre São Francisco e seu pai?). Somos chamados a testemunhar um amor que supera as divisões criadas pelas antipatias, pelos laços de sangue, pela xenofobia, pelo racismo, por classes....
Nossa defesa, quando formos questionados, será espontânea. Não precisaremos mentir e nem gritar. Simplesmente falaremos daquilo que estará cheio o nosso coração. Mantendo nossa fé viva em Jesus testemunharemos e falaremos de seus pensamentos e sentimentos.
- “Entretanto, não se perderá um só cabelo de vossa cabeça. É pela vossa constância que alcançareis a vossa salvação, vida, pessoa” (vv. 18-19). Não trair às coisas belas que trazemos dentro de nós. Não se deixar contaminar pelo reino da mentira e vaidade que respiramos todos os dias. Perseverar na fidelidade ao Senhor Deus que merece o nosso amor e aos irmãs e irmãs que Ele, o Senhor, nos deu, gera algo maravilhoso em nós, gera realização.
A fidelidade, a perseverança e a constância faz com que eu cresça na minha qualidade de pessoa, faz com que eu passe a sentir e a viver como divinizado, como “filho de Deus”. Nem com o martírio perderemos (“Nem um só cabelo”), pois no martírio o amor e a vida são afirmados. Talvez nos ajudem entender tal mistério da vida as palavras de Jesus e de santo Inácio de Antioquia: “Eu vim lançar fogo à terra, e que tenho eu a desejar se ele já está aceso? Mas devo ser batizado num batismo; e quanto anseio até que ele se cumpra! (vv. 49-50); “... faço saber que com alegria morro por Deus. .... Meu nascimento está iminente. ... desejo ser de Deus. ... Meu amor está crucificado. (Há em mim) apenas uma água viva e murmurante dentro de mim, dizendo-me em segredo: ‘Vem para o Pai!”.